[N/A: último capítulo da fanfic. Logo em seguida será postado o Epílogo, então quando terminarem esse aqui, lembrem-se de lê-lo! Beijos xx]
* * *
Distraído
em seus rascunhos, recebi o primeiro sorriso em tempos. Ao abrir os meus olhos
e sair do meu quarto, a plataforma que antes se encobria de ervas daninhas,
agora germinava pequenas margaridas. Eles precisavam de distração e se
entregaram a folga. Alex tirou o resto da manhã para escrever em seu caderno,
mordendo a ponta do dedo indicador, encarando as próprias letras. Os demais
decidiram que fariam um churrasco, e na varanda a fumaça sumia no céu, ouvindo
QOTSA, porque Josh Homme deixara saudades. Adentrando a sala, não consegui
chamar a sua atenção. Muito diferente do que um dia me descreveu em Dangerous
Animals, no momento estava mais para o poema I Wanna Be Yours. Eu acompanhei o
churrasco, que durou mais do que o planejado e, quando era 20h da noite,
decidiram que gravariam uma música no estúdio. Mesmo errando os dedos e perdido
nas batidas, Nick, Jamie e Matt se divertiam. Alex ainda estava preso em seu
caderno, mas de lá saiu uma ideia. Dedicando a letra às várias noites que
fiquei acordada em sua espera, ele pôs o nome da música de Why’d You Only Call
Me When You’re High. Durante muito tempo não sorria como naquela noite. Para
ser sincera, todos pareciam felizes e bêbados demais para controlar essa
felicidade. Quando a hora de dormir chegou e Alex me emboscou entre meu quarto
e o banheiro coletivo, convidando-me para um encontro no bar do certo.
-
Nós nunca tivemos encontros. Talvez tenhamos pulado partes importantes. –
explicou-se, dando lógica a sua abordagem.
Depois
de momentos tão bons como os do dia, não tive coragem de dizer não. E
claramente nem mesmo pensei em recusar. Éramos como as mil peças de um quebra-cabeça
montado. O pseudo-Alex quis brincar no trator, perdeu o controle e desfez o
nosso encaixe. Agora estávamos sentados no chão da varanda, sobre a poeira,
reencontrando os contornos, pondo as peças no lugar, reorganizando a bagunça
feita por aquele trator imaginário.
Três
noites após o convite, em que voltávamos a compartilhar cigarros e olhares cúmplices,
às 19h, ele me levou ao local combinado. Bebemos alguns muitos copos de
margaritas, ou “marrgarridas”, como o nosso sotaque costumava soar. No meio de
uma conversa sobre Casablanca, o velho assunto que nunca ficava velho, e as
diversas interpretações que tínhamos daquele final inusitado, Alex pediu
licença para ir ao banheiro. E não voltou. O esperei por trinta minutos
contados e de repente me peguei preocupada. No banheiro unissex não havia mais
ninguém além de duas prostitutas que puxavam pó sobre o vaso sanitário; sobrou
checar apenas o lado de fora. Com o celular no ouvido, as chamadas eram feitas,
mas nunca atendidas. Varrendo a alameda com os olhos, busquei em algum poste o
seu corpo encostado, fumando um cigarro, perdido no tempo. Pura imaginação.
Alex não estava ali. A caminhonete que me trouxera ainda ocupava sua vaga e,
pelo visto, não tinha saído do lugar. Atravessando a rua, olhei através do
vidro escuro do carro. Numa tentativa, tentei abrir a porta e esta estava
aberta. No volante, um post-it neon preenchido de todas as formas possíveis por
várias letras:
"Secrets I have held in my heart
Are harder to hide than I thought
Maybe I just wanna be yours
I wanna be yours..."
Ao
ler as palavras postas em tentativas de linhas retas, as letras garranchadas, a
declaração conectada em frases de sonoridade continua, não pude deixar de me
arrepiar com o que Alex escrevera. Ao repetir entre os lábios abertos os
sussurros do “I Wanna Be Yours”, percebi que ele entendia como eu me sentia no
momento. Tudo isso me fizera perder o brilho dos tempos mais agitados e agora
estava mais para uma garotinha que precisava de declarações deixadas no volante
de uma caminhonete. Eu não queria alguém que me tomasse no colo, me desse um
beijo roubado, me empurrasse contra a parede e dissesse que era apenas sua.
Talvez tenha crescido o suficiente para precisar ser embalada por essa atmosfera
doce de palavras gentis e sinceras. Talvez esteja cansada das aventuras
intermináveis que enfrentamos por todo o nosso namoro. Ao dizer que queria ser
meu assim tão docemente, Alex atestava que queria uma vida menos conturbada,
diferente da que tivemos.
Cercada
pelo “mistério” de seu desaparecimento, meu medo de que algo grave tivesse
acontecido foi embora, devido ao pequeno recado que deixara. A chave presa na
ignição parecia uma dica de que eu deveria procurá-lo. Alex só poderia estar no
Rancho, e para lá dirigi, levantando poeira pela estrada de areia. De longe
percebi as luzes de fora da casa acesas, mas dentro tudo estava escuro. Graças à luz da lua que entrava pela porta aberta da varanda pude encontrar a entrada
para a sala:
-
Tem alguém...?
Um
estalo me assustou e de repente toda a parede oposta a mim se iluminou. Os
móveis da sala foram empurrados para os cantos, deixando um grande espaço que antes
nunca pensei existir. Estampado na parede sem quadros e fotografias, imagens de
um passado começaram a ser reproduzidas e, de repente, o que evitei, pois era a
melhor parte e tentei deixar por último, começou a fazer uma trilha sonora. [N/A: coloque para tocar essa música]. Os primeiros sinais eram batidas um tanto espirituais, como esmurrar ritmadamente a madeira morta, ou como bater a cabeça em um campo de força de ficção científica:
"Have you got colour in your cheeks?
Do you ever get the fear that you
can't shift the type that sticks around
like something in your teeth?
Are there some aces up your sleeve?
Have you no idea that you're in deep?
I dreamt about you nearly every night this week
How many secrets can you keep?
'Cause there's the tune I found
that makes me think of you somehow
and I play it on repeat
Until I fall asleep
Spilling drinks on my settee
Do I wanna know
if this feeling flows both ways?
Sad to see you go
Was sort of hoping that you'd stay
Baby we both know
That the nights were mainly
made for saying things
that you can't say tomorrow day
Crawlin' back to you
Ever thought of calling
when you've had a few
'Cause always do
Maybe I'm too busy being yours
to fall for somebody new
Now I've thought it through
Crawlin' back to you
So have you got the guts?
Bee wondering if your heart's still open
And if so I wanna know
what time it shuts
Simmer down and pucker up
I'm sorry to interrupt
It's just I'm constantly on the cusp
Of trying to kiss you
I don't know if you feel the same as I do
But we could be together if you wanted to
Crawlin' back to you
Too busy being yours to fall
Ever thought of calling darling?
Do you want me crawling back to you?
Não
me vejo descrevendo a real sensação daquela música alcançando meus ouvidos.
Talvez toda a sua intensidade fosse reduzida caso o cômodo não estivesse
refletindo vídeos caseiros gravados em câmeras analógicas, feitos todos esses
anos por Alex e eu. Seguindo uma ordem cronológica, fui invadida por resquícios
de memórias, de quando comecei a trabalhar com a banda e os acompanhei em
alguns lugares do mundo, ou dos tempos de Nova Iorque, que Alex usava aquele
cabelo que cobria os olhos e toda a minha cabeça era preenchida por dreads que
hoje em dia muito me arrependo de ter feito. Em seguida fui convidada a entrar
na melhor fase das nossas vidas, em que passávamos várias noites abraçados,
ouvindo música e vendo filmes, compartilhando novos conhecimentos retirados de
livros, frases repetidas que traduziam a filosofia que venerávamos, conhecendo
um ao outro sem pressa, conversando em pubs abarrotados de estranhos ou
frequentando Motéis de estrada, fugindo do mundo dos outros, criando o nosso
próprio, evitando os cruéis olhares curiosos. Quando o período do AM chegou,
toda a união das fases anteriores chegava ao fim e, quando pensei que nada mais
poderia ser mostrado, fui surpreendida por gravações que não conhecia,
começadas ainda na nossa casa, em Londres, e completadas aqui, no Rancho. Em
todas as festas com amigos que frequentávamos, Alex na maior parte do tempo se
oferecia para segurar a velha câmera e agora compreendo o verdadeiro motivo.
Nesse período de barricada, ele construiu um acervo de imagens minhas que chegava
a ser obsessivo. E quando nas diversas partes da música repetia que se
arrastava de volta para mim, pude ver o significado dessa frase nos focos em
meu rosto, corpo, gestos. A imagem embaçada, granulada e analógica esbanjava
meus sorrisos sinceros ou olhares tristes, momentos silenciosos ou falantes,
tudo retirado de mim sem meu conhecimento. Talvez por todo esse tempo estivesse
sendo invadida e, enquanto tentava afastar Alex, ele rebatia silenciosamente,
observando-me de perto. Ao falar novamente e pela última vez a frase “do you
want me crawling back to you?”, decidi que não poderia mais vê-lo se
arrastando, porque foi tudo o que fez nesses meses.
Ele
pôs a guitarra em seu apoio e vestido em sua camisa branca de botões, coberto
pelo terno preto, andou até mim, com aquele sorriso que um dia praguejei, mas
que no fundo muito amava. Do I Wanna Know?, como mais tarde saberia seu nome,
foi mantida em segredo por todas as semanas e, caso Alex temesse que nunca
voltássemos, agora poderia se livrar por completo desse medo. Perto de mim,
depois de dias de sufoco e sendo emboscada por seus braços em lugares
imprevisíveis, fui eu quem pulei em seu colo, não ao pé da letra, mas do modo
que der para imaginar. Meus braços agarraram o seu pescoço, seus lábios vieram
diretamente para os meus. Os meus pés se esforçavam para ficar de ponta,
enquanto ele curvava para que não me cansasse. Nossas cabeças se mexiam, uma de
suas mãos em meu rosto, a outra abraçando minha cintura possessivamente. Estava
completamente realizada e liberta, as marcas do passado foram cobertas pela
sinceridade, nosso ponto forte. Realmente queria que aquele momento durasse
eternamente, como nos finais dos filmes românticos. E ainda tive tempo de
lembrar que um dia comentei que cenas assim nunca caberiam a nós. Isso não é
mais verdade. Poderíamos repeti-la quantas vezes mais quiséssemos, porque
estávamos juntos novamente, e não necessariamente pela eternidade, mas até os
nossos sentimentos durarem verdadeiramente.
Quando
Alex se afastou de mim, o sorriso que estava em seus lábios foi refletido nos
meus. Só então percebi que a banda tocava um instrumental de She’s Thunderstorms.
Por uma fração de segundos seu semblante mudou, a empolgação do momento se
desfazendo, e rapidamente captando que talvez devesse dizer algo além de alisar
freneticamente a gola de sua camisa. Pensando que talvez a gente tenha se enrolado
demais em cenas profundos e sentimentais, decidi brincar um pouco, recitando o
que antes Alex cantara:
-
Não sei se sente o mesmo que eu, mas poderíamos ficar juntos, se você quisesse...
Ele
desabafou uma risada relaxada, antes de me puxar para um abraço. Depois disso
ficou constrangedor qualquer tipo de afeto na frente dos caras da banda, que já
tinham feito um grande favor para nós. Nem mesmo parei para imaginar como tudo
fora organizado, se era um plano recente ou antigo, porque só objetivava
recuperar o tempo perdido. Al, agora poderia voltar a chamá-lo pelo apelido que
há muito não usava, pediu para que os colegas dessem um tempo com um aceno de
cabeça. Pude perceber o olhar de gratidão trocado entre eles. Sendo assim, nos
encaminhamos para o quarto.
Quando
falei de “recuperar o tempo perdido” não me referi ao lado sexual, muito embora
isso também faça parte. Ao nos trancarmos no quarto, fizemos aquilo o que
éramos melhores: deitamos na cama, olhamos para o teto, conversamos de tudo o
que nos conectava, trocando carinhos e olhares aliviados. Pude até mesmo
imaginar um céu cheio de estrelas, quando Alex começou a apontar para cima,
lembrando-se de uma poesia que lera dias trás. Por último ouvi Do I Wanna Know?
sussurrada em meu ouvido. Sendo assim, que direito tinha de pedir ou reclamar
algo mais? Estava completa, agradecida, anestesiada e outras mil emoções que se
sente quando é proporcionado um momento particular de felicidade. Antes de
fechar os olhos e dormir sobre o seu peito, pedi para que durasse o quanto
tivesse que durar, independente do passado ou até mesmo do futuro. Não criei
expectativas, não fiz planos, muito menos usei os nossos erros como base para o
que não deveríamos fazer daqui para frente. A impressão que tive era que não
éramos um novo casal, mas sim o de sempre, com uma roupagem resistente e mais
trabalhada, principalmente mais confiante. Se Alex disse que me amava quando
aos poucos tocava o sono, apertei sua mão com mais força, antes de finalmente
dividirmos uma cama sem estarmos magoados.
* * *
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