She's Thunderstoms: Capítulo 11- Marujos

    Era fácil quando eu nem o tinha. Quando ele era apenas da minha irmã.
     Ela já não está mais aqui há um ano; e há dois meses Gustavo, que era noivo dela, se tornou uma das minhas dores de cabeça.
    Eu lembro-me do dia em que recebi a notícia. Lembro que estava no meu segundo dia do que seria uma jornada de libertação do cigarro. Não preciso dizer o que aconteceu assim que soube que acabara de perder minha irmã mais nova pra sempre.
    A partir desse momento, passei a sair de casa cada vez menos. Apenas às sextas-feiras eu buscava algum ânimo nas ruas e bares da minha cidade.
    Mas há dois meses... Ah, aí ele apareceu. Quer dizer, reapareceu. E mesmo que a contragosto, preciso admitir que muita coisa na minha vida mudou. Quando o vi de novo, foi de uma forma totalmente diferente de como tinha sido das outras vezes. Todas as vezes anteriores, ele era apenas o namoradinho da minha irmã caçula, e eu sei que o achei muito bonito desde a primeira vez que o vi, mas obviamente não passou disso. Eu não sou nenhuma maníaca, e muito menos uma traidora.
    Até então.
    Sei que ela está morta. Tempo, cigarros e álcool me ajudaram a aceitar isso. Mas a sensação de que é errado estar com ele, mesmo que fisicamente, me persegue. Não consigo ter paz depois que temos um de nossos encontros explosivos e depois preciso abandoná-lo, ficar sozinha. Sinto como se mesmo assim eu estivesse roubando-o. Como se eu não o merecesse de nenhuma forma, e sei que não mereço.
   Acho que é por isso que me sinto péssima, miserável, após vê-lo. Por isso que parece que tem uma nuvem negra sobre mim, que chove sem parar, a todo instante, e que não passa. Até que eu ocupe minha mente com outro rosto. Que eu ocupe todos os meus vazios com outro alguém.
    É óbvio que fiz a minha parte quando, desde sempre, soube separar clara e racionalmente o que tínhamos. Mas Gustavo não conseguiu. É óbvio que não. Minha irmã, por mais maravilhosa que fosse, sempre preferira o chato e incrivelmente raro tipo romântico. Do jeito que ela sempre foi perfeita de todas as formas, é óbvio que conseguiu o que quisera. Eu só fiz a grande besteira de ficar com os restos.
    Gustavo nunca fez meu tipo porque Amanda nunca foi nem minimamente parecida comigo. Então é claro que nossos gostos eram opostos. Infelizmente (ou não) ela arranjou um cara com a “embalagem” bonita demais e com o “produto” errado (pelo menos pra mim).
    Não consigo achar um culpado. Não sei se o problema é comigo, ou se é com ele. Talvez seja com nós dois. Isso porque eu escolhi e quis o que não deveria, enquanto ele se ateve a algo que não existe e que nunca existiu.
    Não há sequer um ponto coerente nisso tudo. Soa errado. Parece errado. É errado. Somos errados. Eu já aceitei isso. O problema é convencer meu corpo: preciso que ele entenda isso de uma vez por todas, o mais rápido possível.
     Eu havia dormido a manhã toda e parte da tarde também, então estava totalmente descansada. A energia que eu obtivera não era pouca, e não queria gastá-la totalmente em meus pensamentos obsessivos e repetitivos.
    Liguei para emergência. Pedi SOS. Chamei Jasmine.
    Em pouco tempo de conversa, combinamos pelo celular que iríamos nos encontrar no mesmo bar de sempre. Ela concordou de prontidão, mesmo que a voz parecesse ainda arrastada, como se ela tivesse acabado de acordar. O que não era difícil de acreditar, dadas as circunstâncias em que eu a havia visto na última noite.
    Eu usava uma calça comprida preta e uma blusa que ia até os cotovelos, listrada de preto e branco. Sentada no banco alto do bar, bebia minha primeira lata de cerveja enquanto esperava Jas. Preciso dizer que meu estômago estava vazio e que bebia com rapidez, o que sem dúvida me faria ficar tonta em breve.
    Lucas, o barman, mexia no celular, debruçado sobre o balcão. Hoje não era dia de movimento. Eu normalmente preferia quando a casa estava cheia, quando eu podia conhecer gente nova, encontrar gente conhecida, me distrair mesmo que por pouco tempo com algumas pessoas. Mas hoje, só o fato de eu ter saído de casa e me livrado de qualquer pesar excessivo que insistisse em ocupar minha mente, já me deixava satisfeita e me dava a ótima sensação de “dever cumprido”.
    Meu celular vibrou e quando olhei a tela, havia uma mensagem de Gustavo. Ah, não.
    Só de ler o nome na tela, corei. E me odiei por isso. Foi extremamente sem querer, mas eu já havia esquecido totalmente que tinha sonhado com ele em uma das minhas várias horas de sono, e ver a mensagem bem ali na minha cara, tão repentinamente, fez com que minha mente desse um clique e que flashes viessem a tona, me deixando envergonhada. P-a-t-é-t-i-c-o.
    Revirei os olhos e abri a mensagem.
    “Posso te ver hoje a noite?”
    Respondi mentalmente que não. Infelizmente ele não recebeu telepaticamente a minha réplica, então meu celular vibrou novamente.
    “Na verdade isso foi uma pergunta retórica”
    Oi? Encarei o celular como se ele fosse algum tipo de alienígena. Mais uma vibração.
    “Porque eu vou te ver. Só preciso que você me diga onde.”
    A palavra “prepotente” brilhou na minha mente, enquanto eu desligava o celular. Ah, eu merecia ser poupada disso.
    O que eu precisava naquela noite, eu tinha bem ao meu alcance. Estava tão perto que o verbalizei.
    ­─ Uma caipirinha, por favor.
    ─ Caipirinha mesmo ou caipiroska?─ Lucas perguntou, erguendo os olhos do celular.
    ─ Caipirinha.
    ─ Sim senhora, madame.
    Sorri pra ele e dei uma piscadela. Terminei minha cerveja em dois goles.
    Jas apareceu pouco tempo depois que minha bebida ficou pronta. Ela pediu o mesmo que eu. Comecei a narrar como havia sido minha noite, e ela me contou como foi a dela. Era a segunda vez que ela saía com esse sujeito, o Caio. Ele era bonito e Jasmine já andava de olho nele há um tempinho.
    Conversa vai, conversa vem, estávamos no quarto copo de caipirinha e eu já estava alegre. Decidi que era hora de voltar pra cerveja.
    ─ Bea, que horas são?
    ­─ Isso é importante porque...?
    ─ Porque amanhã vou à praia. Não quero aparecer com olheiras e indisposta.
    ­─ Jas, primeiro: é praia! Todo mundo usa óculos escuros. Quem liga pra olheiras? E segundo: por que você não olha no seu celular?
    ─ Beatrice, para de ser chata. Eu só quero as horas, esqueci meu celular em casa.
    Liguei meu celular e respondi que eram onze em ponto. Havia quatro mensagens novas de Gustavo. A última, que havia sido enviada há três minutos, dizia:
    “Não vou sair da porta do seu apartamento enquanto você não abrir. To falando sério”
    Carente da porra. Enquanto discava o número dele, tentei pensar em como a palavra “patético” ficaria em outras línguas. “Pathétique”, em francês, brilhou na minha mente.
    ─ Abre a porta.
    ─ Eu nem estou em casa. Vai Embora. ─ Mais flashes de lembranças que só aconteceram na minha cabeça apareceram.
    Jasmine me encarava de um jeito engraçado, estava curiosa.
    ─ Onde você está?
­    ─ Não te interessa.
    ─ Ah, interessa sim.
    ─ Não, não, não. ­─ Eu nunca percebia o quanto estava alta até precisar falar com alguém pelo telefone. É incrível como a falta da imagem física da pessoa me deixava perdida.
    ─ Eu nunca vou entender como alguém que bebe tanto como você ainda não sabe disfarçar quando está bêbada.
    ─ Quem disse que eu quero disfarçar, hein? Estendi de um jeito ridículo a última palavra. Levantei do meu banco e saí do bar o mais rápido que pude.
    ─ Eu te conheço.
    Imagens do meu imaginário não saíam da minha cabeça e eu juro que parecia uma tortura. Eu o queria. Mas não podia. O problema é que minha mente nada sóbria não estava conseguindo separar tudo muito bem.
   ─ Sabia que você estava nos meus... É...
   ─ O que? Do que você está falando? Seus o quê?
   ─ Sonhos! É isso. Sonhos.
    Ele deu uma risada alta do outro lado da linha. Eu não entendi. Não tinha graça.
    ─ Não tem graça. Foi hoje e... A gente transou todo o tempo, sabe? Ninguém... Ninguém falava nada. Era só...
   Mais risadas altas. E verdadeiras. Do jeito que ele reagia eu até podia acreditar que era engraçado.
   ─ Só sexo?
   ─ Aham.
   ─ Não é justo você me dizer uma coisa dessas a essa hora e não me deixar te ver.
   ─ Eu não queria ter dito. Foi o álcool! ─ Respondi de um jeito que tenho certeza que era tão desesperado quanto pareceu. Ou até mais.
    ─ Não interessa. Eu podia muito bem transformar isso tudo em realidade.
   Meu celular vibrou mais uma vez, afastei confusa o celular da orelha. Por que diabos ele me mandaria uma mensagem enquanto falava comigo?
    Mas não era mensagem. E não era Gustavo. Era Patrick me ligando. Atendi e deixei Gustavo na espera.
    ─ Alô?
    ─ Beatrice?
    ─ Uhum.
    ─ Você está em casa?
    ─ Hum-hum.
    ─ Isso foi um não?
    ─ Uhum. ─ E pra responder desse jeito patético, eu precisava pensar por uns segundos, enquanto todo meu esforço mental era transformado em caretas.
    ─ Se você não responder mais do que isso vou ser obrigado a pensar que você está bêbada.
    É sério que eu sou tão ruim assim disfarçando?!
   ─ Mas eu estou.
   ─ Posso te ver hoje?
   ─ Uhum. Bar dos Marujos. ─ E desliguei.

   



   

    

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não precisa estar logado em lugar nenhum para comentar, basta selecionar a opção "NOME/URL" e postar somente com seu nome!


Se você leu o capitulo e gostou, comente para que as autoras atualizem a fic ainda mais rápido! Nos sentimos extremamente impulsionadas a escrever quando recebemos um comentário pertinente. Críticas construtivas, sugestões e elogios são sempre bem vindos! :)