Era fácil quando eu nem o tinha. Quando ele
era apenas da minha irmã.
Ela já não está mais aqui há um ano; e há
dois meses Gustavo, que era noivo dela, se tornou uma das minhas dores de
cabeça.
Eu lembro-me do dia em que recebi a
notícia. Lembro que estava no meu segundo dia do que seria uma jornada de
libertação do cigarro. Não preciso dizer o que aconteceu assim que soube que
acabara de perder minha irmã mais nova pra sempre.
A partir desse momento, passei a sair de
casa cada vez menos. Apenas às sextas-feiras eu buscava algum ânimo nas ruas e
bares da minha cidade.
Mas há dois meses... Ah, aí ele apareceu. Quer
dizer, reapareceu. E mesmo que a contragosto, preciso admitir que muita coisa
na minha vida mudou. Quando o vi de novo, foi de uma forma totalmente diferente
de como tinha sido das outras vezes. Todas as vezes anteriores, ele era apenas
o namoradinho da minha irmã caçula, e eu sei que o achei muito bonito desde a
primeira vez que o vi, mas obviamente não passou disso. Eu não sou nenhuma
maníaca, e muito menos uma traidora.
Até então.
Sei que ela está morta. Tempo, cigarros e
álcool me ajudaram a aceitar isso. Mas a sensação de que é errado estar com
ele, mesmo que fisicamente, me persegue. Não consigo ter paz depois que temos
um de nossos encontros explosivos e depois preciso abandoná-lo, ficar sozinha.
Sinto como se mesmo assim eu estivesse roubando-o. Como se eu não o merecesse
de nenhuma forma, e sei que não mereço.
Acho que é por isso que me sinto péssima,
miserável, após vê-lo. Por isso que parece que tem uma nuvem negra sobre mim,
que chove sem parar, a todo instante, e que não passa. Até que eu ocupe minha
mente com outro rosto. Que eu ocupe todos os meus vazios com outro alguém.
É óbvio que fiz a minha parte quando, desde
sempre, soube separar clara e racionalmente o que tínhamos. Mas Gustavo não
conseguiu. É óbvio que não. Minha irmã, por mais maravilhosa que fosse, sempre
preferira o chato e incrivelmente raro tipo romântico. Do jeito que ela sempre
foi perfeita de todas as formas, é óbvio que conseguiu o que quisera. Eu só fiz
a grande besteira de ficar com os restos.
Gustavo nunca fez meu tipo porque Amanda
nunca foi nem minimamente parecida comigo. Então é claro que nossos gostos eram
opostos. Infelizmente (ou não) ela arranjou um cara com a “embalagem” bonita
demais e com o “produto” errado (pelo menos pra mim).
Não consigo achar um culpado. Não sei se o
problema é comigo, ou se é com ele. Talvez seja com nós dois. Isso porque eu
escolhi e quis o que não deveria, enquanto ele se ateve a algo que não existe e
que nunca existiu.
Não há sequer um ponto coerente nisso tudo.
Soa errado. Parece errado. É errado. Somos errados. Eu já aceitei isso. O
problema é convencer meu corpo: preciso que ele entenda isso de uma vez por
todas, o mais rápido possível.
Eu havia dormido a manhã toda e parte da
tarde também, então estava totalmente descansada. A energia que eu obtivera não
era pouca, e não queria gastá-la totalmente em meus pensamentos obsessivos e
repetitivos.
Liguei para emergência. Pedi SOS. Chamei
Jasmine.
Em pouco tempo de conversa, combinamos pelo
celular que iríamos nos encontrar no mesmo bar de sempre. Ela concordou de
prontidão, mesmo que a voz parecesse ainda arrastada, como se ela tivesse
acabado de acordar. O que não era difícil de acreditar, dadas as circunstâncias
em que eu a havia visto na última noite.
Eu usava uma calça comprida preta e uma
blusa que ia até os cotovelos, listrada de preto e branco. Sentada no banco
alto do bar, bebia minha primeira lata de cerveja enquanto esperava Jas.
Preciso dizer que meu estômago estava vazio e que bebia com rapidez, o que sem
dúvida me faria ficar tonta em breve.
Lucas, o barman, mexia no celular,
debruçado sobre o balcão. Hoje não era dia de movimento. Eu normalmente
preferia quando a casa estava cheia, quando eu podia conhecer gente nova,
encontrar gente conhecida, me distrair mesmo que por pouco tempo com algumas
pessoas. Mas hoje, só o fato de eu ter saído de casa e me livrado de qualquer
pesar excessivo que insistisse em ocupar minha mente, já me deixava satisfeita
e me dava a ótima sensação de “dever cumprido”.
Meu celular vibrou e quando olhei a tela,
havia uma mensagem de Gustavo. Ah, não.
Só de ler o nome na tela, corei. E me odiei
por isso. Foi extremamente sem querer, mas eu já havia esquecido totalmente que
tinha sonhado com ele em uma das minhas várias horas de sono, e ver a mensagem
bem ali na minha cara, tão repentinamente, fez com que minha mente desse um
clique e que flashes viessem a tona, me deixando envergonhada. P-a-t-é-t-i-c-o.
Revirei os olhos e abri a mensagem.
“Posso
te ver hoje a noite?”
Respondi mentalmente que não.
Infelizmente ele não recebeu telepaticamente a minha réplica, então meu celular
vibrou novamente.
“Na
verdade isso foi uma pergunta retórica”
Oi? Encarei o celular como se
ele fosse algum tipo de alienígena. Mais uma vibração.
“Porque
eu vou te ver. Só preciso que você me diga onde.”
A palavra “prepotente” brilhou na minha
mente, enquanto eu desligava o celular. Ah, eu merecia ser poupada disso.
O que eu precisava naquela noite, eu tinha
bem ao meu alcance. Estava tão perto que o verbalizei.
─ Uma caipirinha, por favor.
─ Caipirinha mesmo ou caipiroska?─ Lucas
perguntou, erguendo os olhos do celular.
─ Caipirinha.
─ Sim senhora, madame.
Sorri pra ele e dei uma piscadela. Terminei
minha cerveja em dois goles.
Jas apareceu pouco tempo depois que minha
bebida ficou pronta. Ela pediu o mesmo que eu. Comecei a narrar como havia sido
minha noite, e ela me contou como foi a dela. Era a segunda vez que ela saía
com esse sujeito, o Caio. Ele era bonito e Jasmine já andava de olho nele há um
tempinho.
Conversa vai, conversa vem, estávamos no
quarto copo de caipirinha e eu já estava alegre. Decidi que era hora de voltar
pra cerveja.
─ Bea, que horas são?
─ Isso é importante porque...?
─ Porque amanhã vou à praia. Não quero
aparecer com olheiras e indisposta.
─ Jas, primeiro: é praia! Todo mundo usa
óculos escuros. Quem liga pra olheiras? E segundo: por que você não olha no seu
celular?
─ Beatrice, para de ser chata. Eu só quero
as horas, esqueci meu celular em casa.
Liguei meu celular e respondi que eram onze
em ponto. Havia quatro mensagens novas de Gustavo. A última, que havia sido
enviada há três minutos, dizia:
“Não
vou sair da porta do seu apartamento enquanto você não abrir. To falando sério”
Carente da porra. Enquanto
discava o número dele, tentei pensar em como a palavra “patético” ficaria em
outras línguas. “Pathétique”, em
francês, brilhou na minha mente.
─ Abre a porta.
─ Eu nem estou em casa. Vai Embora. ─ Mais
flashes de lembranças que só aconteceram na minha cabeça apareceram.
Jasmine me encarava de um jeito engraçado,
estava curiosa.
─ Onde você está?
─ Não te interessa.
─ Ah, interessa sim.
─ Não, não, não. ─ Eu nunca percebia o
quanto estava alta até precisar falar com alguém pelo telefone. É incrível como
a falta da imagem física da pessoa me deixava perdida.
─ Eu nunca vou entender como alguém que
bebe tanto como você ainda não sabe disfarçar quando está bêbada.
─ Quem disse que eu quero disfarçar, hein? ─ Estendi de um jeito ridículo a última palavra.
Levantei do meu banco e saí do bar o mais rápido que pude.
─ Eu te conheço.
Imagens do meu imaginário não saíam da
minha cabeça e eu juro que parecia uma tortura. Eu o queria. Mas não podia. O
problema é que minha mente nada sóbria não estava conseguindo separar tudo
muito bem.
─ Sabia que você estava nos meus... É...
─ O que? Do que você está falando? Seus o
quê?
─ Sonhos! É isso. Sonhos.
Ele deu uma risada alta do outro lado da
linha. Eu não entendi. Não tinha graça.
─ Não tem graça. Foi hoje e... A gente
transou todo o tempo, sabe? Ninguém... Ninguém falava nada. Era só...
Mais risadas altas. E verdadeiras. Do jeito
que ele reagia eu até podia acreditar que era engraçado.
─ Só sexo?
─ Aham.
─ Não é justo você me dizer uma coisa dessas
a essa hora e não me deixar te ver.
─ Eu não queria ter dito. Foi o álcool! ─
Respondi de um jeito que tenho certeza que era tão desesperado quanto pareceu.
Ou até mais.
─ Não interessa. Eu podia muito bem
transformar isso tudo em realidade.
Meu celular vibrou mais uma vez, afastei
confusa o celular da orelha. Por que diabos ele me mandaria uma mensagem
enquanto falava comigo?
Mas
não era mensagem. E não era Gustavo. Era Patrick me ligando. Atendi e deixei
Gustavo na espera.
─ Alô?
─ Beatrice?
─ Uhum.
─ Você está em casa?
─ Hum-hum.
─ Isso foi um não?
─ Uhum. ─ E pra responder desse jeito
patético, eu precisava pensar por uns segundos, enquanto todo meu esforço
mental era transformado em caretas.
─ Se você não responder mais do que isso
vou ser obrigado a pensar que você está bêbada.
É sério que eu sou tão ruim assim
disfarçando?!
─ Mas eu estou.
─ Posso te ver hoje?
─ Uhum. Bar dos Marujos. ─ E desliguei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não precisa estar logado em lugar nenhum para comentar, basta selecionar a opção "NOME/URL" e postar somente com seu nome!
Se você leu o capitulo e gostou, comente para que as autoras atualizem a fic ainda mais rápido! Nos sentimos extremamente impulsionadas a escrever quando recebemos um comentário pertinente. Críticas construtivas, sugestões e elogios são sempre bem vindos! :)