—
Será que dá para tirar as mãos dos meus olhos? — questionou Arielle, irritada.
—
Não até chegarmos.
Peço
para Arielle ficar de olhos fechados enquanto abro a porta do apartamento. A
pobrezinha deve achar que estou fazendo algo do tipo Oliver Tate – o serial
killer prestes a perder a virgindade, ou não. Ela não devia nem fazer ideia de
que aquele livro existia. A questão é algo bem melhor a esperava.
Guiei-a
até a sala de ensaio da banda, onde todos já esperavam com cara de tédio.
Fuzilei-os com o olhar e fui para o meu posto, carregando a minha guitarra.
— O
que é isso? — ela perguntou, finalmente abrindo os olhos.
—
Apenas assista. Helders?
Matt
brincou com as baquetas e começou a tocar juntamente de Nick, que acompanhava o
ritmo da bateria. O olhar de Arielle está em mim e eu sorrio de lado para ela,
fazendo com que tudo saia como o esperado: ela esconde a cara vermelha e seu
belo sorriso com as mãos.
My
days end best when the sunset gets itself/Behind that little lady sitting on
the passenger side/It’s much less picturesque without her catching the
light/The horizon tries but it’s just not as kind on the eyes/As Arabella, oh!
Estou pontuando, liberando as mais belas notas enquanto meus dedos pressionam
firmemente as cordas. Meu peito começa a suar e agradeço mentalmente por estar
de camiseta desabotoada. Matt capricha nesse refrão, botando força máxima, como
o pedi: “Pense em algo que te deixe com raiva, cara!” e finalmente vejo que meu
conselho deu certo. A “batera” está saindo melhor do que eu pensava e a minha
voz hipnotiza Arielle por completo. Capricho nos acordes, marco o tempo para
que Nick volte à tona.
É a
parte da música em que finalmente falo sobre os lábios da garota, Arielle
entende o que estou dizendo e posso garantir que seu rosto deve estar doendo de
tanto sorrir. Passamos por mais um refrão, e começamos a acelerar o ritmo. That’s magic in a cheetah print coat/Just a slip underneath it, I hope. Canto
o mais alto que posso, aperfeiçoando minha voz a cada falsete dado por Matt. Takes
a sip of your soul and it sounds like...
É a minha deixa, pressiono as cordas, levanto a guitarra, há cabelos nos meus
olhos mas isso não me impede de continuar com o melhor solo que já fiz na minha
vida, e os pratos da bateria deixam a coisa ainda mais intensa. Então ouço uma
batida na porta, me viro num susto, desafinando completamente e a música
torna-se um desastre instantâneo até que todos param e eu me desintegro,
vendo-a do lado de Arielle com aquele olhar mortal.
Por
um segundo, penso que estou alucinando, mas os olhares dos caras e da minha
namorada dizem o contrário. Como ela
havia entrado ali?! Pergunto-me, até lembrar que o idiota aqui deixou a
porta aberta.
—
Por acaso você é surdo?! Será que dá para você e os seus colegas abaixarem o
som?
Arielle
irritou-se. — Johanna, o que você está fazendo aqui?!
—
Que estranho, porque foi você mesma quem nos aconselhou de pegar mais pesado no
som. — não pude evitar, simplesmente saiu. E eu não podia deixar ela me fazer
de idiota outra vez.
—
Quando eu disse “pegar mais pesado”, eu disse para se inspirar no som do The
Vines ou algo assim, não fazer uma merda que me tira a concentração para a
tarefa da faculdade!
Olhei
para os caras, que não pareciam dar a mínima. Merda, a garota era, de fato,
preparada para qualquer tipo de resposta.
—
Vocês vão deixar ela falar assim do nosso som?
—
Nosso? — disse Jamie, confuso. — A ideia de fazer essa música foi sua, Alex.
Completamente sua.
Traidor!, pensei. Com tantas mulheres no ramo
do rock para venerar, por que ele foi escolher logo ela?!
—
Que seja. Foda-se. Não vamos abaixar, temos tanto direito de tocar música alta
quanto você. E precisamos ensaiar para a Batalha das Bandas, caso tenha
esquecido disso.
Johanna
apenas soltou um riso e disse: Se é isso o que você chama de música, desista de
uma vez, porque com isso aí será
impossível.
A
parte estranha disso tudo era que suas críticas não me colocavam para baixo. Eu
não me sentia um lixo, e sim, desafiado.
—
Não está um lixo, Alex. — disse Arielle, acariciando meu rosto. — Está
perfeito. Eu amei e quero colocar no meu iPod.
Johanna
não estava mais lá, mas eu ainda encarava a porta.
(...)
—
Onde estão os livros, Miles?
—
Bem ali. — ele apontou para uma caixa de papelão posicionada no pé da porta que
dava para a sala do estoque.
Tentei
carregar a caixa (e, caralho, que caixa pesada!) e coloquei-a em cima do
balcão. Uma onda de desânimo tomou conta de mim ao ver a quantidade de livros
que havia ali. E tinha sido assim nos últimos dias. Ah, se o John não
aumentasse meu salário...
Ok.
Por onde começo? Esse livro deve ser de ficção científica. A seção de ficção
científica fica no fundo da loja. Droga, eu não vou ter paciência para isso.
—
Sabe, ela é a irmã da sua namorada, é a obrigação dela infernizar a sua vida. —
disse Miles. Eu havia comentado com ele sobre o ensaio e conversamos sobre isso
desde então. — Você se importa demais com ela, é o que eu acho. E pelas demos
que você me mostrou, cara, eu te garanto, não está uma merda.
—
Eu sei que não está — digo, enquanto coloco os livros em seus devidos lugares. —,
mas é como se ela fosse uma tutora ou algo do tipo. A cada crítica, sinto-me
ainda mais motivado. De alguma forma, sei que ela não odeia a nossa música como
diz odiar.
—
Exatamente, ela só faz isso para te irritar. A diferença é que ela não é uma
adolescente e faz com que você leve na brincadeira. Pelo jeito ela é árdua, e
tal. E você acaba levando a sério a ponto de achar que isso é um jogo.
E não era? Johanna era uma mistura complexa de
rebeldia e maturidade, juntamente de uma sexualidade volúpia, o sonho de
qualquer astro do rock. Basta pensar nela, enxergar seu rosto em minha mente
para que eu perca completamente a noção do tempo, do lugar, de tudo. Amo
Arielle mais do que devo, e sua irmã simplesmente aparece para estragar tudo
sem as mínimas intenções comigo. Johanna era diferente simplesmente pelo fato
de tornar o fato de que ela penetra os meus pensamentos sem querer querendo, inegável. Isto é, poderia ser qualquer outra,
até agora eu poderia negar, negar e negar. O fato é que no começo eu a queria
morta por ser uma garota arrogante e insuportável, mas agora por ela me deixar
louco.
Não
fora algo da noite para o dia, vocês veem; tento passar a maior parte do tempo
possível com Arielle, consequentemente tendo encontros e desencontros com
Johanna. Ela, quando não está usando camisetas de banda (que, por serem justas,
já tornam-se uma provocação), anda por aí com roupas vulgares. São
meias-arrastão, shorts de couro, uma maquiagem tentadora. E ela havia cantado o
Miles.
Tento
deixar isso para lá e coloco o “Celebration Day” para rodar na televisão da
lanchonete. Em instantes, um dos shows mais fodas da história da humanidade é
transmitido e eu coloco no volume máximo. Jules não nota a minha presença ali,
pois continua vidrado no celular, falando com a mesma paquera. O som de Good Times Bad Times me anima um pouco
mais para continuar o irritante processo de empilhar os livros.
—
Alex, abaixa isso, está muito alto! — reclama um dos funcionários. Acho que o
nome dele era Jed.
Revirei
os olhos e fui em direção às escadas. Mas uma voz me interrompeu.
—
Não abaixa, eu gosto.
Viro
lentamente, com pensamentos suicidas explodindo na minha cabeça. Lá estava ela,
parada, com um vestido cinza curto e rasgado e meia-calça transparente.
—
Acho que agora vou ter que me inspirar no som deles para que você não reclame
mais, ou estou errado?
—
Se você se importa tanto assim. — ela disse — Mas não vale a pena. Led Zeppelin
é Led Zeppelin.
—
Bem, nisso eu tenho que concordar. Enfim, o que você está fazendo aqui?
Ela
riu. — Estou sendo uma cliente, será que não posso?
—
Eu sei lá, com tantas livrarias na cidade...
—
Você sabe porque eu gosto de vir aqui.
Engoli
em seco. Merda, eu não podia deixar transparecer.
—
Porque você está cantando o meu amigo?
—
Não, tente de novo. — ela mordeu o lábio.
—
Então, porque... Esquece. Precisa de ajuda com algum livro?
—
Sylvia Plath, por favor?
Andei
até a seção onde provavelmente estariam os livros da tal autora, e Johanna me
seguiu. Procurei e procurei, mas eu me sentia extremamente desconfortável com
ela me encarando ali.
Foco,
Alex. Você namora a Arielle. Você gosta da Arielle. E você só precisa achar um
livro para a irmã dela. Não é tão difícil assim.
O
pensamento me reconfortou um pouco e voltei a me concentrar, para no final
descobrir que não tinha livro nenhum.
— Temo
que está fora de estoque. Perdão.
Johanna
me encarou com um olhar lascivo e, depois de três segundos, me surpreendeu ao
me puxar para um beijo.
Não
pensei duas vezes e retribuí imediatamente – eu acabaria beijando-a de qualquer
maneira, por mais que ela se revidasse. Johanna me beijava como se estivesse
ansiando por aquilo há muito tempo, e verdade seja dita, eu também estava.
Guiei-a para o fundo entre as duas estantes, apoiando as minhas mãos em livros
que caíram em seguida. Suas mãos bagunçavam o meu cabelo, o meu cabelo
demoradamente arrumado e colocado nos trinques, enquanto suas unhas arranhavam
a minha cabeça. Ela demonstrava tanta técnica que nem parecia ser gêmea de Arielle.
Pelo contrário, ela era o oposto da irmã. Era como se Arielle fosse o anjo, e
ela o diabo em carne e osso. A minha própria espécie de demônio particular, destruindo
completamente a imagem do homenzinho vermelho com um rabo pontudo.
Nos
beijamos desesperadamente, Johanna geme baixinho entre os pequenos intervalos
feitos para conseguirmos fôlego e isso me deixa mais estimulado ainda, o
suficiente para que eu tente enfiar a minha mão por baixo de seu vestido. E é justamente
nessa hora que Miles grita por mim, Johanna para de me beijar e a vida fica uma
merda novamente.
Ela
não faz uma pausa nem para dizer “não conte para ninguém”, apenas sai correndo
porque sabe que se eu abrir a boca sobre isso sou um homem morto. Um homem
morto pelas mãos dela. Eu estava entregue à ela, aquele beijo confirmara isso e
não havia sensação pior.
—
Céus, cara, o que você está fazendo aí? Vai me ajudar ou não?
Arrumo
o cabelo e sigo Miles até a caixa que me causou desânimo novamente. Tudo
aconteceu tão rápido. Nenhum sinal de Johanna na loja e eu não consigo parar de
pensar nela. Johanna. Johanna. Johanna.
Logo
depois desta situação incalculável, livros erroneamente empilhados e de um
tempo refletindo sobre o quão arrebatadora Johanna era, finalmente consegui
entender o porquê de Arielle não ter apresentado ela antes.
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