She's thunderstorms: Capítulo 3- Poeira

A porta abriu com certa dificuldade, depois de várias tentativas falhas de encaixar a chave na fechadura; eu não reclamava da demora, já que ela era causada por eu estar distraindo Gabriel de uma maneira não muito convencional: seus cabelos estavam entre meus dedos, enquanto meus lábios estavam sobre os dele. E então chegamos à sala. A casa, pelo pouco que observei, era bem decorada, e tinha uma energia tão aconchegante quanto a minha, além de ter um toque rústico. Cheirava a cigarro e ao perfume dele, só que mais forte. O cheiro me fez leve, me fez bem, me fez mais esclarecida. De qualquer jeito, para um jovem, a casa era até arrumada demais.
Ele não se deu ao trabalho de ligar as luzes, e nem eu; não iríamos precisar delas. As mãos dele iam da minha cintura até os ombros, com pressa. O toque me acalmava, por incrível que pareça; e me animava, fisicamente, é claro. Me lembrava algo protetor, algo que eu já havia possuído, há muito tempo, e com certeza me fazia falta, mas só às vezes. Quase nunca. Nunca. Definitivamente nunca, inclusive já havia esquecido tudo completamente.
Era bom ter distrações de meus dias monótonos. Não que eu estivesse reclamando, já que não há, em todo o mundo, coisa melhor do que ficar no meu apartamento morno durante a chuva fria que caía do lado de fora. E aqui, nessa cidade, é quase como um dilúvio todos os dias. De qualquer forma, esses pequenos bônus que de vez em quando a vida me dava, eram sempre muito bem aproveitados. As sextas eram minhas melhores amigas, assim como uma garota da quinta série tem aquela chamada “bff”, pra quem conta todos os segredos e vai para a casa dela passar a noite nos finais de semana. Sextas costumavam, na maioria das vezes, ter chuva, um bonito pôr do sol, bares e boas companhias. Realmente uma melhor amiga, aquela que só te dá presentes e memórias boas nas horas certas. Era como férias depois de um longo semestre de trabalho.
Era na sexta-feira que eu podia ser livre. Livre de mim mesma.
***
–Sim, sim, depois daquele hospital na Avenida Principal. Não? Escute, eu pago o dobro. 20 minutos? Certo. Claro. Tudo bem, até mais.-E desliguei o celular, aparentemente eu tinha vinte minutos para encontrar minha bolsa e ir para frente da casa de Gabriel.
O relógio me mostrava 5:27, o céu ainda estava escuro, eu ainda podia ver a lua pela janela daquele espaçoso e estranho quarto. Assim que adormeci, logo após Gabriel, passava das quatro horas. Pelo que me parece, não havia dormido nem uma hora, não me sentia cansada, pesada ou com sono, me sentia bem disposta e pronta para trabalhar daqui a algumas horas, no sábado de manhã.
E por mais acostumada que eu estivesse com aquelas cenas, de apenas uma noite, de deixar casas alheias antes que o sol aparecesse, eu me sentia estranha. Não chegava a ser incomodo ou ruim, só não podia ser normal, por mais comum que fosse. Poderia ser apenas o preço a se pagar quando você dorme e acorda repetidas vezes com gente que não ama. Ou talvez fosse apenas o efeito do álcool ainda presente no meu sangue, me fazendo pensar coisas desnecessárias e perturbadoras. Era confuso. Era madrugada. Era eu mais uma vez longe de casa, fugindo de tudo. Era errado.
Desencostei da janela e avistei minha bolsa atrás da televisão que ficava numa estante na parede do quarto, caminhei vagarosamente até lá e apanhei o objeto, virei e observei o corpo adormecido do rapaz na cama, iluminado pela pouca luz que vinha da rua, atravessando o recinto. Ao lado da TV, também havia um maço de cigarros espalhados, peguei todos e joguei na bolsa. Ele não sentiria falta. Bocejei e me espreguicei só pelo costume, então desci lentamente as escadas. Com facilidade achei a cozinha, me servi de um copo de água e sai da casa. Sentei no meio fio, observando a rua mal iluminada e deserta. Nenhum carro, nenhuma pessoa, nenhum barulho, nenhuma alma, muitos pensamentos colidindo: todos meus. Acendi um dos cigarros roubados e estiquei as pernas, querendo saber o porquê de o táxi não ter chegado ainda. Não importava se havia um tempo mínimo para ele estar ali, e também não importava se eu sabia disso ou não. Eu só queria ir antes que as luzes aparecessem. As luzes que me faziam tão mal, que me atormentavam por cada erro que eu já havia cometido; as luzes do céu, do sol, da razão; as luzes que me faziam enxergar o que eu fazia, o que eu preferia fingir que era certo, mesmo não sendo.
O táxi chegou então, sombria e lentamente preenchendo a rua vazia. Esfreguei o cigarro na calçada desenhando um rosto sorridente com as cinzas que caíam, suspirei profundamente enquanto me levantava e entrei no carro.
–Prédio Machine, por favor.-O idoso motorista assentiu, começando o caminho até meu apartamento.
Hoje já não era sexta, então não haveria folga no trabalho, nem bar, nem dança, nem cigarros ou casas estranhas.
Hoje já era sábado, então haveria ele. E isso já me bastava.

2 comentários:

  1. continua pls!!! tô curiosa <3

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  2. gostei desse cap, do jeito que escreve, tô gostando da história e curiosa pra saber quem é 'ele'.

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