—
Cara, você tá legal? — perguntou Jules, analisando minha expressão de tédio.
—
Eu sei lá. — tomei um gole do café que ele havia preparado. Enquanto isso,
Miles atendia um casal adulto, e eu poderia jurar que se não fosse pelo seu
entusiasmo, sua simpatia e seu “personagem” que incorporava numa venda essa
livraria já teria ido para o saco.
Em
outras palavras, Miles era a razão de aquele negócio ainda estar de pé. Eu não
havia atendido mais de quinze pessoas durante uma semana e aquilo meio que me
deprimia, mas não tanto.
—
Tem certeza? — ele disse, mesmo sabendo que a resposta era um óbvio “não”. —
Porque não é o que parece, sabe.
—
Problemas, Jules. Muitos deles.
—
Desembucha. — abocanhou um pedaço de coxinha. — Porque se for para encher
linguiça, é melhor deixar para lá mesmo.
Respirei
fundo, me apoiando na vitrine morna de salgados. Encarei uma empada sem saber o
porquê. Respirei fundo e voltei meu olhar para Jules.
—
Suponhamos que a irmã da sua namorada seja uma tentação...
—
Oh, cara, minha nossa...
—
Não acaba por aí. Ela é daquelas que te odeia, mas você a segue para onde ela
for sem saber o motivo.
Jules
congelou com uma expressão de “cara, agora fudeu tudo”. Foi quando percebi que
a minha situação era pior do que parecia.
—
Continue.
— E
quando você vê, você já está sofrendo na mão dela pela segunda vez, sem nem
mesmo saber da primeira.
—
Cara... Quer saber de uma coisa? — ele botou sua mão sobre o meu ombro. — Se a
garota é realmente uma tentação, boa sorte. Porque não vai ser fácil, amigo, eu
sei do que você está falando.
Engoli
em seco, concordando.
(...)
Abri
a porta, fazendo o sininho tocar. A loja de discos onde Nick trabalhava era
humilde, e a decoração era de deixar qualquer um de queixo caído. Vinis
pendurados, luzes de natal contornando as estantes, pôsteres e tudo o que
alguém pode imaginar encontravam-se lá.
—
Como posso ajuda-l.... Ah, é só você. — Nick apareceu à minha esquerda.
—
Há-há-há, muito engraçado.
—
Terminou o turno mais cedo hoje?
—
Algo assim. — eu disse, examinando um vinil dos Beatles. — Parece que ninguém
quis comprar livros hoje.
Nick
deixou os ombros caírem. — Poxa, isso é bem chato.
—
De uma certa forma, sim. Por outro lado, John não nos vigia e podemos lanchar a
hora que quisermos já que Jules não nos dedura.
— E
quem faz os lanches?
— A
irmã dele. Mas ela só não conta porque eles tem uma trégua assim como todos
nós, e se ela contar a trégua acaba e Jules para de ajudar ela a pagar a aula
de desenho que ela faz nos finais de semana.
—
Entendo. Enfim — ele começou, animado —, não sabe quem passou por aqui hoje.
Na
verdade, eu sabia. A resposta começava com JO e terminava com HANNA. O negócio
é que quanto menos eu soubesse daquela garota, melhor. Então o certo a fazer
era esquecer que ela existia.
Só
que isso se tornava impossível às sete e quarenta e cinco da noite, quando a
mãe de Arielle chega em casa e desconta a raiva do trabalho em discussões onde
Johanna é a que venceria no quesito gritaria.
—
Quem?
Nick
riu. — Johanna, é claro!
—
Hm.
Ele
olhou para mim, confuso. Em resposta, imitei sua expressão facial de uma forma
mais engraçada.
—
“Hm?” Como assim “hm”? Não vai querer saber o que ela levou?
— E
por que eu deveria? — eu disse, me encaminhando para a seção de CDs.
—
Não seja bobo, Al. Nós dois sabemos que você quer a análise completa do que
aconteceu hoje mais cedo, até a cor da calcinha dela.
Me
virei para ele, espantado. Perguntei a ele como ele sabia a cor e me arrependi
instantaneamente, porque ele caiu na gargalhada. Só então percebi que ele não
falava sério, mas eu sim. Isso pode ser um péssimo sintoma.
—
Cara, se a Arielle descobre...
—
Vá se foder! — o cortei. — Você nem pense em dar uma palavra sobre isso para ela!
Nada rolou com a irmã dela e nem vai rolar.
—
Se nada rolou — continuou —, por que está tão preocupado com dedo-duro?
Olhei
para Nick com nojo. — Você... Argh! Será que podemos mudar de assunto?
—
Ela é realmente bipolar.
—
Você não me escutou?
—
Sim, eu escutei. Não significa que eu necessariamente vou atender ao seu
pedido.
—
Tecnicamente, você precisa atender ao
meu pedido, já que o funcionário aqui é você. — Ponto para mim!
—
Usando o meu trabalho como desculpa para fugir do assunto. Alex, você já deu
desculpas melhores. — ele disse, dando tapinhas no meu ombro.
Respirei
fundo, lendo as faixas do Sabbath Bloody Sabbath.
—
Ela levou o último do Exodus. Sabe o que isso significa, não é?
—
Não. — neguei, sem tirar os olhos do material.
—
Que a garota é durona pra porra.
—
É, eu percebi. Mas só por que ela escuta Exodus? Grande merda, Nick. Não é
legal julgar os outros pelo gosto musical, por mais que ela tenha esse perfil.
Nick
cruzou os braços, se apoiando na grande estante. — Você tem razão, Alex. Mas
aquela garota não foi educada com você nem tentando. Além do mais, me avise no
dia em que encontrar uma garota delicada e frufru cujos ouvidos não veneram
nada além do Slayer.
Revirei
os olhos. Infelizmente, Nick estava certo. E Arielle também. A música muda
mesmo as pessoas.
—
Ah, e à propósito, a inscrição para a Batalha das Bandas será aqui mesmo no
sábado que vem. Eu não vou estar aqui porque é meu dia de folga e eu consegui
um encontro.
— É
mesmo? Isso é legal. Qual é o nome dela?
— É
Amy.
—
Ela é legal?
—
Ela é extraordinária.
Sorri.
— Boa sorte, parceiro! E pode deixar que eu faço a inscrição assim que sair do
meu turno.
—
Obrigado, amigo. Eu aviso aos caras. Agora se manda antes que meu chefe corte
metade do meu salário porque fiquei de papo com você.
(...)
—
Olá? Alguém em casa? — eu disse, fechando a porta e jogando as chaves na
mesinha de centro da sala. Não obtive respostas, mas Jamie encontrava-se na
janela, olhando para baixo. Uma música não muito alta, mas o suficiente para se
escutar de maneira clara, tocava.
—
Cara, a sua namorada tem uma banda e você não nos fala? — Jamie disse, com um
sorriso no rosto.
Fiz
uma careta.
—
Arielle não tem uma banda. Ela nem deve estar em casa agora. Ela trabalha no
shopping center até as seis, esqueceu?
—
Bom, eu nem mesmo sabia, então obrigado pela informação por mais inútil que ela
seja na minha vida. — bufei. — Se ela não tem uma banda, então o que é isso aí
embaixo?
—
Eu não sei e não quero saber. Eu preciso é cochilar.
Me
dirigi até o meu quarto, porém o som pareceu ficar mais forte, mesmo não vindo
do quarto de Arielle que ficava logo abaixo. Seria impossível até mesmo
descansar com aquela música.
Soquei
o travesseiro umas quatro vezes, bufei, olhei para o teto. Não tinha como
ignorar. Essa era a pior parte.
—
Aaahh, mas que merda! — resmunguei, me levantando e indo em direção à janela.
Levantei
o vidro e desci as escadas cautelosamente. A janela de Arielle estava
destrancada, mais tarde ela levaria um sermão por isso. Entrei no apartamento,
torcendo para que ninguém me notasse. Mas, de repente, a porta se abriu e uma
força mágica vinda do nada fez com que eu me escondesse a tempo.
—
Tem certeza de que ela tem um batom vermelho? — uma voz perguntou.
—
Absoluta. Ela não sai de casa sem passar. Tem até tons diferentes, mas que são
a mesma coisa, sabe? Chega a ser assustador. — era a voz de Johanna.
Levantei
um pedaço do edredom, podendo ter a visão dos pés de Johanna e da outra garota.
Ambas usavam botas e eu não conseguiria dizer qual tinha mais tachinhas.
Johanna parecia usar uma meia calça rasgada, já a outra não usava nada.
—
Acho que prefiro o batom vinho.
—
Eu também. Combina mais com esse seu cabelo preto.
—
Ei, não fale assim dele. Falando em cabelo, quando você vai dar um trato no
seu?
—
Bom, quem sabe agora mesmo?
As
duas ficaram em silêncio e minha curiosidade aumentou.
—
Sua irmã tem tesoura para cabelo?
—
Deve ter, é ela quem corta... — disse Johanna, abrindo milhões de gavetas ao
mesmo tempo. — Ahá! Eu disse.
— Johanna! Valerie! Por que a demora? —
outra voz gritou.
—
Estamos indo, vadia! — gritou Johanna, em resposta. — Acho melhor deixar isso
para depois.
— É
verdade, vamos ensaiar.
As
duas saíram, deixando com que o salto alto das botas fizesse barulho pelo
corredor. Esperei alguns minutos para checar se tudo estava livre e então me
levantei assim que o som começou novamente.
Então
Johanna tinha uma banda. Interessante. Muito
interessante.
A
batida começou lenta, como se fosse a primeira música a tocar em um filme
dramático sobre uma ex-stripper. Caminhei lentamente até o quarto onde todas
estavam e avistei a cena, escondido.
Bodies without
minds
I hear you're
the ones with the bleeding hearts
Blue and bitter
sweet
You tear my
dreams apart.
Johanna
estava inacreditável, isso era de se admitir. Vestia uma jaqueta de couro cinza
por cima de um vestido vermelho-sangue que contornava seu corpo de uma maneira
que me deixara louco no mesmo instante. Um elástico preso à sua lingerie
impedia que suas meias-calças caíssem, e meu doce Deus, que pernas.
'Cause I was
born to be bad
I'm not sad
And I'm glad I
did it
Born to be bad
I'm not sad
I think you
should all get with it.
A
letra da música caracterizava-a perfeitamente e o fato de ela ter sido cantada
por sua voz deixou a coisa melhor ainda.
Analisei
as outras garotas. Aquelas sim pareciam ter dezessete anos, talvez uma delas
vinte. No caso, essa seria a guitarrista, que depois de um monólogo no meio da
música fez um solo do caralho, e eu
fui sortudo o suficiente para ver aquilo de perto com um bônus de Johanna
rebolando lentamente e sacudindo os cabelos ao som dos acordes em sequência. A
baterista, de cabelos curtos e repicados, parecia uma garota da sétima série,
mas que para seus colegas aparentava ser mais velha pelo seu estilo. A baixista
tinha dois piercings na boca e um cabelo louro platinado com mechas pretas e
uma franja pra lá de estranha.
I want ya to
bring me his ears
to satisfy my
mad desires
And if it bites
the dust
I guess you're
just gonna have to miss my fire
Mais
um refrão e a música terminou. Saí dali só porque eu ainda tinha um resto de
juízo na cabeça. E Johanna também. Eu precisava de um cigarro.
Eu
precisava muito de um cigarro.
mdssss alex safadinhoooooooo realmente AMEI esse capítulo 😱
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