Brooklyn Baby 04: On Our Way (Heavier Than Heaven)




O céu alaranjado marcava o fim de tarde daquele sábado. Elizabeth andava pelas ruas do Brooklyn junto com seus amigos Kyle, com quem trabalhava na loja de discos e Anna, sua antiga amiga de colégio.  Ficava cada vez mais frio a cada minuto que se passava e as mãos geladas de Kyle teimavam em encostar-se às de Grant enquanto eles caminhavam lado a lado.
  Ela por sua vez o olhava disfarçadamente quando ele parecia distraído. A garota sempre o achara de uma beleza indiscutível e quando mais novos, nutria secretamente um amor pelo amigo. Porém, esse amor nunca fora recíproco. Pelo menos não até aqueles últimos meses. E aquilo na verdade a enfurecia, pois ele havia demorado tanto tempo para demonstrar algum interesse que Elizabeth já havia deixado àquela tola paixão infantil para trás.
  - Vocês viram quem estava ontem no Chelsea Bar? – perguntou Anna.
 Ela virou-se para trás, pois andava um pouco a frente dos outros dois. Elizabeth observava seus cabelos ruivos e sua pele pálida que remetiam a suas raízes escocesas.    
  - Alex Turner – respondeu Kyle – Pela segunda sexta seguida.
  Anna concordou sorrindo e em seguida tirou um cigarro do bolso antes de voltar a falar:
  - Ele deve ter gostado do lugar. Ou de alguém.
 Tudo o que Elizabeth fez foi revirar os olhos e bufar.
  - Ele é um babaca, sem nada de especial – disse então.
  Os dois a encararam em silêncio. Anna voltou-se para frente novamente e acendeu o cigarro. Kyle colocara as mãos no bolso da calça e permanecera sem falar nada.
  - O que foi? – replicou – Só estou dizendo que não sei por que as pessoas o tratam como se ele fosse a pessoa que achou a cura para o câncer.
  - Ele foi bem legal com a gente, Lizzy. Você não apareceu no show porque não quis.
  - Você não foi para o show?  Você ganhou acesso á backstage e não foi para o show? – Anna dirigiu-se a amiga – Isso Lizzy, é imperdoável.
  Mal eles sabiam que ela havia de fato ido até o local do concerto, mas por algum motivo que nem a própria garota saberia dizer qual foi, saíra de lá tão rápido que poderia jurar que nunca botara os pés no local.
  - Eu tinha coisa melhor para fazer.
  Os três continuaram a andar, sem dizer palavra alguma. A cara de Elizabeth se fechara em uma careta, pois não parava de pensar na figura de Alex sentado no bar, assistindo á sua apresentação no palco do Chelsea Bar na noite passada. Aqueles 4 minutos de duração da música fora os únicos instantes em que se viram, pois logo mais Turner deixara o bar, fazendo com que a garota sentisse uma pontinha de decepção. Tal pontinha que se mostrara na verdade ser mais uma flecha afiada.
  Na calçada do outro lado da rua, um gato preto roubara sua atenção das lembranças de sexta-feira. Ele se espreguiçou antes de deitar sobre uma caixa de papelão, taciturno, calmo como sua irmã ficava quando tomava as pílulas para dormir. Elizabeth então decidiu que estava cansada demais para continuar perambulando pela vizinhança sem rumo algum. 
  Sem se quer avisar ninguém, deu ás costas e começou a andar na direção contrária de seus amigos.

SEGUNDA-FEIRA, 8H47 a.m.

  O quarto já estava claro, pois as cortinas eram finas demais para filtrar a luz do sol. Elizabeth dormia tranquilamente quando ouviu o telefone tocar. Permaneceu na cama com a esperança que sua irmã ainda estivesse em casa para atendê-lo, mas após o irritante som insistir em ecoar pela casa ela se levantou contra sua vontade, pois aquela era a primeira boa noite de sono que tivera há semanas.  Pisara nas inúmeras folhas de caderno rabiscadas com rascunhos de canções que estavam espalhadas pelo chão de seu quarto e caminhou até a sala onde estava o aparelho, amaldiçoando seja quem fosse que a acordara aquela hora da manhã.
  Pigarreou antes de atender em um tom monótono:
  - Alô?
  Não houve resposta.
  - Alô? – repetiu.
  - Bom dia, Grant.
  Engoliu seco ao reconhecer a voz da pessoa do outro lado da linha.
  - Como você conseguiu esse número?
  - Sarah me passou. Disse que você não tinha celular, o que é muito incomum devo dizer.
  A garota suspirou. Ela possuía um celular afinal, mas havia dito a Sarah para nunca passar seu número se alguém perguntasse por Carmen.
  - Desculpe, mas eu devo estranhar essa ligação? – perguntou enquanto enrolava o fio do telefone nos dedos.
  - Você não ficou para assistir ao show.
  - Eu passei mal – inventou uma desculpa qualquer – Dor de estômago.
  Foi a vez de Grant ouvir um longo suspiro.
  - O que você quer? – soou mais ríspida do que desejava.
  Encarou os quadros na parede enquanto esperava por uma resposta.
  - Eu quero te encontrar – fez-se uma pausa – Quero te levar em um lugar.
  Elizabeth ficou em silêncio. Que tipo de encontro poderia ter com Alex Turner?
  - Não sei se é uma boa ideia, além do mais tenho que trabalhar.
  - Já falei com Sarah... Vamos lá, Grant. O que você tem a perder? O que Carmen faria?
  Mandaria você ir se ferrar, pensou.
  Mas a pergunta certa seria: O que Elizabeth faria? Não podia negar que desde que conhecera Alex, imaginara inúmeras vezes aquela exata situação. Ele ligando para sua casa em uma manhã qualquer, a convidando para sair. Não conseguia pensar em nada melhor que um músico famoso querendo sua atenção nem que fosse por alguns minutos.
  - Se é isso que você quer, vai ter que vir me buscar.

...

  Ela o esperava sentada na escadaria em frente ao prédio de dois andares em que morava. Em seu colo, estava repousada a pasta com alguns dos rascunhos de suas músicas (incluindo alguns dos que ela havia catado do chão do quarto) e um pendrive contendo instrumentais, como Alex havia pedido. Conferiu o relógio em seu pulso, os ponteiros marcavam 09h35. No mesmo instante um Chevy Malibu 76 estacionou rente à calçada, com sua pintura em preto petróleo reluzindo a luz do sol. Apenas 5 minutos de atraso para um rockstar era algo extraordinário.
  Grant levantou-se, caminhou em direção ao veículo e parou ao lado da porta do passageiro. A película do carro não era escura, permitindo que o visse a encarando enquanto tamborilava os dedos no volante.
  - Você vai querer um contive especial para entrar? – falou após baixar a janela.
  - Na verdade não, mas não custa tentar – ela respondeu finalmente adentrando e acomodando-se no banco ao lado do motorista.
  - Trouxe o que pedi?
  Ela balançou a pasta no ar junto com o pendrive em resposta.
  - Ótimo, boa garota.
  Elizabeth riu debochando de sua fala. Alex deu a partida no carro.
  Após alguns minutos de prédios, casas e pessoas virando borrões ao passar do veículo e semáforos que sempre estavam fechados, a garota se cansou daquela desconfortável ausência de sons.
  - Para onde estamos indo e porque eu tive que trazer essas coisas? Você por um acaso não está planejando me acusar de plágio, não é? Porque se for eu juro que essas coisas são de autoria minha.
  Turner rira, mas não de um jeito irônico, ele realmente achara graça ouvir Grant falando daquele modo.
  - Nós vamos a um estúdio de música de um amigo meu.
  - O que a gente vai fazer lá?
  - Grant, o que se faz em um estúdio de música?
  - Muito engraçado – ela rolou os olhos – Quero dizer por que você está me levando lá? Ou simplesmente você achou que seria super legal me fazer faltar ao trabalho para ouvir você tocando umas musiquinhas.  
  - Musiquinhas? – ele desviou os olhos da estrada por um instante.
  - Você me entendeu – cruzou os braços na defensiva.
  Alex apenas suspirou como se tentasse manter a paciência.
  - Não se preocupe, Grant. Eu sei o que eu estou fazendo.
  Desejou mentalmente que ele soubesse mesmo, porque ela perdera a razão assim que entrara no carro.

THE WOLF STUDIO – 10h48 a.m.

  Quando o veículo finalmente estacionou, Elizabeth sentiu a tensão deixar seu corpo. Mal podia acreditar que o trajeto havia chegado ao fim. Ela abriu a porta lentamente e por pouco não deixou com que a pasta cheia de folhas fosse parar no chão. Ao ver que a garota se atrapalhou, Turner a pegou para que a deixasse com suas mãos livre. Grant murmurou um “obrigada” tão baixo que não teve certeza se ele a ouviu.
  Ela o seguiu para dentro de um edifício de aspecto rústico, a placa dourada na entrada dizia The Wolf Studio - Since 1991. Não havia ninguém na recepção e não só ali, mas Elizabeth teve a sensação que eles estavam completamente sozinhos no lugar grande e escuro. Um arrepio percorreu sua espinha.
  - Por aqui – ele indicou um corredor que logo deu em uma porta.
  Os dois entraram no recinto que estava coberto pelo breu. Alex afastou-se de Grant e ela sentiu algo que em outra ocasião poderia ser chamado de medo, porém ela achara ridículo admitir para si que temia aquela falta de luz.
  Não demorou muito para que Turner ligasse o interruptor. Os olhos dela demoraram alguns segundos para se adaptar a luminosidade, mas logo então pode ver onde estavam. Um amplo estúdio de gravação, com mesas de controle, uma cabine e sofás. O chão era coberto por um tapete, também de aspecto rústico assim como o edifício.  
  - Esse lugar é incrível – Elizabeth deixou escapar pela boca o que era para ser apenas um pensamento.
  - É de um amigo. Steve Wolf. Eles estão fechados por um tempo, sabe, é um tipo de férias após mais de 20 anos de trabalho e gravações uma atrás da outra, sem nunca parar de funcionar. Essa máquina precisava de um descanso.
  Ela andou pelo recinto, admirada com o que via. De modo algum poderia comparar o pequeno estúdio de Sarah com aquilo. Na verdade, seria até uma ofensa ao lugar.  
  - E ele simplesmente lhe deu as chaves?
  - Nos conhecemos por um bom tempo. Steve foi um das primeiras pessoas com que fiz amizade quando vim para a América. Desde que cheguei à Nova York, já perdi a conta das vezes que vim para cá no meio da noite! Além disso, ele esteve presente na produção de um dos nossos álbuns, então...
  - É, entendi. Ele simplesmente lhe deu as chaves.
  Elizabeth olhou para Alex e pode vê-lo sorrindo, então ela virou-se para o outro lado para que pudesse sorrir também.
  - O que fazemos agora? – perguntou o fitando.
  - Me diga você. Nós temos o dia inteiro para ficar aqui.
  A garota deu novamente uma boa olhada no lugar. Grant mal podia acreditar que de fato estava ali, com Alex a perguntando o que eles deveriam fazer.
  - Eu quero compor.

  Elizabeth ficara a manhã inteira debruçada sobre a mesa de centro, escrevendo e rabiscando palavras enquanto Alex fazia anotações em um bloco de notas ao analisar suas letras e instrumentais. Certa hora ele a interrompera para falar sobre uma das canções:
  - Born To Die.
  Ela erguera a cabeça e o lançou um olhar confuso.
  - Essa soa diferente das outras. É mais sombria.
  - É – fez-se uma pausa – Na verdade, eu gostaria de escrever mais letras desse tipo. Sempre tento fazer com que elas soem mais pesadas, do modo que quero. Ás vezes consigo, ás vezes não.
  Alex voltara para suas anotações e ela voltara para seus rabiscos. Enquanto os versos eram impressos no papel, em sua cabeça passava-se situações completamente fantasiosas, com alguém não tão fantasioso assim.
  Depois de certo tempo, Elizabeth acreditara que havia terminado sua composição que intitulara On Our Way (Heavier Than Heaven). Releu novamente as estrofes para ter certeza que se encaixavam do modo que queria.
  - Você pode me ajudar com o ritmo? – Grant fora até Alex sem que ele percebesse.
  Ele se ajeitara no sofá em que estava e concordara com um aceno. Tirou as páginas ali jogadas para que a garota pudesse sentar-se ao seu lado, ficando mais uma vez extasiado com a proximidade dos dois. Pegara o violão que estava encostado ao lado e o ajeitara sobre o colo.
  - Nenhuma de minhas músicas tem o violão como base – ela falara fitando diretamente o instrumento.
  - Bem, há uma primeira vez para tudo e não se esqueça de que é só uma demo.
  Elizabeth deu de ombros. Respirou fundo uma, duas, três vezes e começara então a cantar o primeiro verso para que ele pegasse o ritmo.
  Assim eles repetiram o processo em um clico quase interminável, até que ambos estivessem em sincronia.
  - Eu acho que está bom – era palpável de tamanha a satisfação no rosto de Grant.
  Alex por sua vez, deixara o violão de lado e ficara calado. Submerso em sua própria mente, ele mais que ninguém sabia como realidade e fantasias se misturavam na letra de uma música. Como os desejos mais profundos, eram nas linhas brancas de um caderno revelados.
  - Spin me round, kiss me in your Chevrolet? – ele repetira um dos versos – Seria esse Chevrolet um modelo Malibu 76?
  O coração de Elizabeth começara a bater mais rápido do que qualquer outra vez que pode se lembrar. Sua boca estava entreaberta, mas sabia que de lá não sairia nenhuma palavra. Se erguesse as mãos, tinha certeza que elas estariam tremendo como o chão treme sob os movimentos de placas tectônicas. Ela então se deu conta de que Carmen não estava ali, ela era só uma garota aterrorizada de 17 anos.
  Alex por outro lado, tinha completo controle de suas atitudes. De modo algum fora um impulso quando ele colocou sua mão sobre a cintura de Elizabeth e a puxara para perto de si. A garota soltara um suspiro pesado e ele sabia tanto quanto ela que sair dali era a última coisa que queria. Turner acariciou seu rosto quente, sempre a olhando nos olhos, para então aproximar seus lábios dos dela. Ele a beijou de modo que a fez arrepiar-se por completo, sentindo a necessidade de tê-lo o mais perto possível.
  Ele a deitou delicadamente sob o sofá, com as mãos em sua nuca. O corpo esguio de Grant o fazia agir com cautela, pois ele receava machucá-la de alguma forma. Elizabeth segurou o rosto de Alex, aprofundando ainda mais o beijo que ela tanto desejou.
  Nenhum dos dois pareciam se lembrar de que aquilo poderia ser um problema. Afinal, Elizabeth Grant tinha apenas 17 anos.  

***

N/A: Não sei nem o que dizer da vida, mas está ai o 4º capítulo de Brooklyn Baby. Espero que tenham gostado! ♥

Um comentário:

  1. Adoro quando as personagens esnobam, mas no fundo gostam haha. ''Nenhum dos dois pareciam se lembrar de que aquilo poderia ser um problema. Afinal, Elizabeth Grant tinha apenas 17 anos. '' eu prevejo crises de consciência logo mais, haha.

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