O céu alaranjado marcava o fim de tarde daquele sábado.
Elizabeth andava pelas ruas do Brooklyn junto com seus amigos Kyle, com quem
trabalhava na loja de discos e Anna, sua antiga amiga de colégio. Ficava cada vez mais frio a cada minuto que
se passava e as mãos geladas de Kyle teimavam em encostar-se às de Grant
enquanto eles caminhavam lado a lado.
Ela por sua vez o
olhava disfarçadamente quando ele parecia distraído. A garota sempre o achara de
uma beleza indiscutível e quando mais novos, nutria secretamente um amor pelo
amigo. Porém, esse amor nunca fora recíproco. Pelo menos não até aqueles
últimos meses. E aquilo na verdade a enfurecia, pois ele havia demorado tanto
tempo para demonstrar algum interesse que Elizabeth já havia deixado àquela
tola paixão infantil para trás.
- Vocês viram
quem estava ontem no Chelsea Bar? – perguntou Anna.
Ela virou-se para
trás, pois andava um pouco a frente dos outros dois. Elizabeth observava seus
cabelos ruivos e sua pele pálida que remetiam a suas raízes escocesas.
- Alex Turner –
respondeu Kyle – Pela segunda sexta seguida.
Anna concordou
sorrindo e em seguida tirou um cigarro do bolso antes de voltar a falar:
- Ele deve ter
gostado do lugar. Ou de alguém.
Tudo o que
Elizabeth fez foi revirar os olhos e bufar.
- Ele é um
babaca, sem nada de especial – disse então.
Os dois a
encararam em silêncio. Anna voltou-se para frente novamente e acendeu o
cigarro. Kyle colocara as mãos no bolso da calça e permanecera sem falar nada.
- O que foi? –
replicou – Só estou dizendo que não sei por que as pessoas o tratam como se ele
fosse a pessoa que achou a cura para o câncer.
- Ele foi bem
legal com a gente, Lizzy. Você não apareceu no show porque não quis.
- Você não foi
para o show? Você ganhou acesso á
backstage e não foi para o show? – Anna dirigiu-se a amiga – Isso Lizzy, é
imperdoável.
Mal eles sabiam
que ela havia de fato ido até o local do concerto, mas por algum motivo que nem
a própria garota saberia dizer qual foi, saíra de lá tão rápido que poderia
jurar que nunca botara os pés no local.
- Eu tinha coisa
melhor para fazer.
Os três
continuaram a andar, sem dizer palavra alguma. A cara de Elizabeth se fechara
em uma careta, pois não parava de pensar na figura de Alex sentado no bar, assistindo
á sua apresentação no palco do Chelsea Bar na noite passada. Aqueles 4 minutos
de duração da música fora os únicos instantes em que se viram, pois logo mais Turner
deixara o bar, fazendo com que a garota sentisse uma pontinha de decepção. Tal
pontinha que se mostrara na verdade ser mais uma flecha afiada.
Na calçada do
outro lado da rua, um gato preto roubara sua atenção das lembranças de sexta-feira.
Ele se espreguiçou antes de deitar sobre uma caixa de papelão, taciturno, calmo
como sua irmã ficava quando tomava as pílulas para dormir. Elizabeth então
decidiu que estava cansada demais para continuar perambulando pela vizinhança
sem rumo algum.
Sem se quer
avisar ninguém, deu ás costas e começou a andar na direção contrária de seus
amigos.
SEGUNDA-FEIRA, 8H47 a.m.
O quarto já
estava claro, pois as cortinas eram finas demais para filtrar a luz do sol.
Elizabeth dormia tranquilamente quando ouviu o telefone tocar. Permaneceu na
cama com a esperança que sua irmã ainda estivesse em casa para atendê-lo, mas
após o irritante som insistir em ecoar pela casa ela se levantou contra sua
vontade, pois aquela era a primeira boa noite de sono que tivera há semanas. Pisara nas inúmeras folhas de caderno
rabiscadas com rascunhos de canções que estavam espalhadas pelo chão de seu
quarto e caminhou até a sala onde estava o aparelho, amaldiçoando seja quem
fosse que a acordara aquela hora da manhã.
Pigarreou antes
de atender em um tom monótono:
- Alô?
Não houve
resposta.
- Alô? – repetiu.
- Bom dia, Grant.
Engoliu seco ao
reconhecer a voz da pessoa do outro lado da linha.
- Como você
conseguiu esse número?
- Sarah me
passou. Disse que você não tinha celular, o que é muito incomum devo dizer.
A garota
suspirou. Ela possuía um celular afinal, mas havia dito a Sarah para nunca
passar seu número se alguém perguntasse por Carmen.
- Desculpe, mas
eu devo estranhar essa ligação? – perguntou enquanto enrolava o fio do telefone
nos dedos.
- Você não ficou
para assistir ao show.
- Eu passei mal –
inventou uma desculpa qualquer – Dor de estômago.
Foi a vez de
Grant ouvir um longo suspiro.
- O que você
quer? – soou mais ríspida do que desejava.
Encarou os
quadros na parede enquanto esperava por uma resposta.
- Eu quero te
encontrar – fez-se uma pausa – Quero te levar em um lugar.
Elizabeth ficou
em silêncio. Que tipo de encontro poderia ter com Alex Turner?
- Não sei se é
uma boa ideia, além do mais tenho que trabalhar.
- Já falei com
Sarah... Vamos lá, Grant. O que você tem a perder? O que Carmen faria?
Mandaria você ir se ferrar, pensou.
Mas a pergunta
certa seria: O que Elizabeth faria? Não
podia negar que desde que conhecera Alex, imaginara inúmeras vezes aquela exata
situação. Ele ligando para sua casa em uma manhã qualquer, a convidando para
sair. Não conseguia pensar em nada melhor que um músico famoso querendo sua
atenção nem que fosse por alguns minutos.
- Se é isso que
você quer, vai ter que vir me buscar.
...
Ela o esperava
sentada na escadaria em frente ao prédio de dois andares em que morava. Em seu
colo, estava repousada a pasta com alguns dos rascunhos de suas músicas
(incluindo alguns dos que ela havia catado do chão do quarto) e um pendrive
contendo instrumentais, como Alex havia pedido. Conferiu o relógio em seu
pulso, os ponteiros marcavam 09h35. No mesmo instante um Chevy Malibu 76
estacionou rente à calçada, com sua pintura em preto petróleo reluzindo a luz
do sol. Apenas 5 minutos de atraso para um rockstar
era algo extraordinário.
Grant
levantou-se, caminhou em direção ao veículo e parou ao lado da porta do
passageiro. A película do carro não era escura, permitindo que o visse a
encarando enquanto tamborilava os dedos no volante.
- Você vai querer
um contive especial para entrar? – falou após baixar a janela.
- Na verdade não,
mas não custa tentar – ela respondeu finalmente adentrando e acomodando-se no
banco ao lado do motorista.
- Trouxe o que
pedi?
Ela balançou a
pasta no ar junto com o pendrive em resposta.
- Ótimo, boa
garota.
Elizabeth riu
debochando de sua fala. Alex deu a partida no carro.
Após alguns
minutos de prédios, casas e pessoas virando borrões ao passar do veículo e
semáforos que sempre estavam fechados, a garota se cansou daquela desconfortável
ausência de sons.
- Para onde
estamos indo e porque eu tive que trazer essas coisas? Você por um acaso não
está planejando me acusar de plágio, não é? Porque se for eu juro que essas
coisas são de autoria minha.
Turner rira, mas
não de um jeito irônico, ele realmente achara graça ouvir Grant falando daquele
modo.
- Nós vamos a um
estúdio de música de um amigo meu.
- O que a gente
vai fazer lá?
- Grant, o que se
faz em um estúdio de música?
- Muito engraçado
– ela rolou os olhos – Quero dizer por que você está me levando lá? Ou
simplesmente você achou que seria super legal me fazer faltar ao trabalho para
ouvir você tocando umas musiquinhas.
- Musiquinhas? – ele desviou os olhos da
estrada por um instante.
- Você me
entendeu – cruzou os braços na defensiva.
Alex apenas
suspirou como se tentasse manter a paciência.
- Não se
preocupe, Grant. Eu sei o que eu estou fazendo.
Desejou
mentalmente que ele soubesse mesmo, porque ela perdera a razão assim que
entrara no carro.
THE WOLF
STUDIO – 10h48 a.m.
Quando o veículo finalmente
estacionou, Elizabeth sentiu a tensão deixar seu corpo. Mal podia acreditar que
o trajeto havia chegado ao fim. Ela abriu a porta lentamente e por pouco não
deixou com que a pasta cheia de folhas fosse parar no chão. Ao ver que a garota
se atrapalhou, Turner a pegou para que a deixasse com suas mãos livre. Grant
murmurou um “obrigada” tão baixo que não teve certeza se ele a ouviu.
Ela o seguiu para
dentro de um edifício de aspecto rústico, a placa dourada na entrada dizia The Wolf Studio - Since 1991. Não havia
ninguém na recepção e não só ali, mas Elizabeth teve a sensação que eles
estavam completamente sozinhos no lugar grande e escuro. Um arrepio percorreu
sua espinha.
- Por aqui – ele indicou
um corredor que logo deu em uma porta.
Os dois entraram
no recinto que estava coberto pelo breu. Alex afastou-se de Grant e ela sentiu
algo que em outra ocasião poderia ser chamado de medo, porém ela achara ridículo
admitir para si que temia aquela falta de luz.
Não demorou muito
para que Turner ligasse o interruptor. Os olhos dela demoraram alguns segundos
para se adaptar a luminosidade, mas logo então pode ver onde estavam. Um amplo
estúdio de gravação, com mesas de controle, uma cabine e sofás. O chão era
coberto por um tapete, também de aspecto rústico assim como o edifício.
- Esse lugar é
incrível – Elizabeth deixou escapar pela boca o que era para ser apenas um
pensamento.
- É de um amigo. Steve Wolf. Eles estão
fechados por um tempo, sabe, é um tipo de férias após mais de 20 anos de
trabalho e gravações uma atrás da outra, sem nunca parar de funcionar. Essa
máquina precisava de um descanso.
Ela andou pelo
recinto, admirada com o que via. De modo algum poderia comparar o pequeno
estúdio de Sarah com aquilo. Na verdade, seria até uma ofensa ao lugar.
- E ele simplesmente
lhe deu as chaves?
- Nos conhecemos
por um bom tempo. Steve foi um das primeiras pessoas com que fiz amizade quando
vim para a América. Desde que cheguei à Nova York, já perdi a conta das vezes que
vim para cá no meio da noite! Além disso, ele esteve presente na produção de um
dos nossos álbuns, então...
- É, entendi. Ele
simplesmente lhe deu as chaves.
Elizabeth olhou
para Alex e pode vê-lo sorrindo, então ela virou-se para o outro lado para que
pudesse sorrir também.
- O que fazemos
agora? – perguntou o fitando.
- Me diga você.
Nós temos o dia inteiro para ficar aqui.
A garota deu
novamente uma boa olhada no lugar. Grant mal podia acreditar que de fato estava
ali, com Alex a perguntando o que eles deveriam fazer.
- Eu quero
compor.
Elizabeth ficara
a manhã inteira debruçada sobre a mesa de centro, escrevendo e rabiscando
palavras enquanto Alex fazia anotações em um bloco de notas ao analisar suas
letras e instrumentais. Certa hora ele a interrompera para falar sobre uma das
canções:
- Born To Die.
Ela erguera a
cabeça e o lançou um olhar confuso.
- Essa soa
diferente das outras. É mais sombria.
- É – fez-se uma
pausa – Na verdade, eu gostaria de escrever mais letras desse tipo. Sempre
tento fazer com que elas soem mais pesadas, do modo que quero. Ás vezes
consigo, ás vezes não.
Alex voltara para
suas anotações e ela voltara para seus rabiscos. Enquanto os versos eram
impressos no papel, em sua cabeça passava-se situações completamente
fantasiosas, com alguém não tão fantasioso assim.
Depois de certo tempo, Elizabeth acreditara
que havia terminado sua composição que intitulara On Our Way (Heavier Than Heaven). Releu novamente as estrofes para
ter certeza que se encaixavam do modo que queria.
- Você pode me
ajudar com o ritmo? – Grant fora até Alex sem que ele percebesse.
Ele se ajeitara
no sofá em que estava e concordara com um aceno. Tirou as páginas ali jogadas
para que a garota pudesse sentar-se ao seu lado, ficando mais uma vez extasiado
com a proximidade dos dois. Pegara o violão que estava encostado ao lado e o
ajeitara sobre o colo.
- Nenhuma de
minhas músicas tem o violão como base – ela falara fitando diretamente o
instrumento.
- Bem, há uma
primeira vez para tudo e não se esqueça de que é só uma demo.
Elizabeth deu de
ombros. Respirou fundo uma, duas, três vezes e começara então a cantar o
primeiro verso para que ele pegasse o ritmo.
Assim eles
repetiram o processo em um clico quase interminável, até que ambos estivessem
em sincronia.
- Eu acho que
está bom – era palpável de tamanha a satisfação no rosto de Grant.
Alex por sua vez,
deixara o violão de lado e ficara calado. Submerso em sua própria mente, ele
mais que ninguém sabia como realidade e fantasias se misturavam na letra de uma
música. Como os desejos mais profundos, eram nas linhas brancas de um caderno revelados.
-
Spin me round, kiss me in your Chevrolet? – ele repetira um dos versos –
Seria esse Chevrolet um modelo Malibu 76?
O coração de
Elizabeth começara a bater mais rápido do que qualquer outra vez que pode se
lembrar. Sua boca estava entreaberta, mas sabia que de lá não sairia nenhuma
palavra. Se erguesse as mãos, tinha certeza que elas estariam tremendo como o
chão treme sob os movimentos de placas tectônicas. Ela então se deu conta de
que Carmen não estava ali, ela era só uma garota aterrorizada de 17 anos.
Alex por outro
lado, tinha completo controle de suas atitudes. De modo algum fora um impulso
quando ele colocou sua mão sobre a cintura de Elizabeth e a puxara para perto
de si. A garota soltara um suspiro pesado e ele sabia tanto quanto ela que sair
dali era a última coisa que queria. Turner acariciou seu rosto quente, sempre a
olhando nos olhos, para então aproximar seus lábios dos dela. Ele a beijou de
modo que a fez arrepiar-se por completo, sentindo a necessidade de tê-lo o mais
perto possível.
Ele a deitou
delicadamente sob o sofá, com as mãos em sua nuca. O corpo esguio de Grant o
fazia agir com cautela, pois ele receava machucá-la de alguma forma. Elizabeth
segurou o rosto de Alex, aprofundando ainda mais o beijo que ela tanto desejou.
Nenhum dos dois
pareciam se lembrar de que aquilo poderia ser um problema. Afinal, Elizabeth
Grant tinha apenas 17 anos.
***
N/A: Não sei nem o que dizer da vida, mas está ai o 4º capítulo de Brooklyn Baby. Espero que tenham gostado! ♥
Adoro quando as personagens esnobam, mas no fundo gostam haha. ''Nenhum dos dois pareciam se lembrar de que aquilo poderia ser um problema. Afinal, Elizabeth Grant tinha apenas 17 anos. '' eu prevejo crises de consciência logo mais, haha.
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