N/A: dedicando esse capítulo ao saculejo que uma leitora me deu no ask haha Obrigada ♥ e também valeu Bea pela opinião e a ajudinha com Red Right Hand. Boa leitura!
E
a moderação desvanecia. De fato parecia absurdo que aquilo se autointitulação
de caso. Eu e Alex atingimos um nível de despreocupação que poderia ser alarmante,
intensificado pela constante convivência em minhas visitas ao estúdio.
Ligávamos-nos em horas fora do padrão, havia os pedidos depois da meia-noite
para que às 17h do dia seguinte eu o procurasse no ensaio e gravação.
-
Precisam de alguma coisa? – eu perguntava, saindo do curso, apertando o celular
contra o ouvido para entendê-lo em meio ao som da bateria.
-
Comida! Estamos famintos. – ele dizia, em meio às gargalhadas trocadas com os
amigos.
O
meu rosto já não era mais estranho para o resto dos integrantes. Ao chegar para
vê-los, usavam-me como válvula de escape e aos poucos cada um largava o seu
instrumento, sentava ao meu lado e tagarelava sobre o que os preocupava no
álbum, às vezes estendendo o assunto para outros pontos. Foi um momento
propício para uma aproximação geral, uma relação estreitada não só com Matt e
Alex diante dos olhos dos outros, mas também com os próprios Nick e Jamie, que
não se intimidavam mais com a minha presença.
Sentada
no sofá da cabine, apoiava o meu bloco de notas nas pernas cruzadas,
bebericando café ou cerveja, escrevendo observações tiradas das músicas e
processo de gravação. Eu ainda estava confusa, mas não como antes. O Humbug
lentamente perdia a película de mistério que há alguns meses impedia a
compreensão não só minha, mas dos outros três caras demitidos que não o tocaram
da maneira correta. Ponderei a ideia de ser o primeiro CD da banda com os
próprios na capa. Receberam a notícia com receio, logo tive de expressar meus
motivos.
-
Pensem que isso daqui é inovador demais para os seus fãs. Ter vocês na capa é o
modo de comprovar que o Humbug é o
Arctic Monkeys.
Aceitaram
até certo ponto, dizendo que gostariam de ver um modelo antes de qualquer
confirmação. Matt passou-me o número e e-mail de Guy Aroch, que fazia o meu
trabalho no período que estavam na Califórnia. Enquanto conversávamos, ele
muito me abriu os olhos sobre as fotografias e algumas ideias que poderiam ser
empregadas para o livreto do álbum. Em seguida contatei Matthew Cooper, o
segundo responsável que fora demitido ao apresentar suas ideias para o Humbug.
Enquanto construía a arte, tentei colocar todos os responsáveis que surgiram no
caminho trilhado pelo terceiro álbum. Parecia injusto diante da mudança
mantê-los de fora.
Nesse
tempo, Nick foi o primeiro a me chamar para uma saidinha com a banda. Às vezes, quando tudo terminava, eles me deixavam em uma parte perto da minha casa e
seguiam para uma noitada entre amigos. Quando o baixista gentilmente me
convidou, Jamie, pensando que me ajudaria, disse:
-
Não vamos obrigar a Ali a aturar nossas conversas. Já enchemos a coitada demais
no resto do dia.
Talvez
essa fosse uma maneira descontraída de me dizer que estava sendo invasiva.
Talvez ele realmente estivesse achando que eu não era obrigada a aturá-los. Mero
engano do Jamie, pois cada vez mais eu gostava de acompanhá-los. Matt me
convenceu com a bebida de graça, os ensinamentos sobre os jogos de bilhar, um jukebox
e o tradicional bom papo. Eles logo fizeram amizade com o dono do bar, sentados
na bancada, se entretendo com os casos de clientes brigões e batidas da
polícia. Enquanto
isso, na parte de trás do estabelecimento, entre uma lata de lixo e um telefone
fodido, Alex presenteava minha intimidade com a sua língua e lábios molhados.
Nessa noite não dormimos juntos e, para ser sincera, depois da extravagância na
viela, não parecia assim tão necessário. Compensamos com alguns jogos
arriscados, encostando um no outro ao andarmos no salão do bar, o contato da
sua jaqueta jeans com a minha de couro um pouco maior do que o habitual diante
do olhar alheio. Os dedos mindinhos enlaçados sob o balcão, a troca de olhares
comprometedores, os sussurros elogiosos sobre feitos antigos, atitudes mal
percebidas pelos nossos amigos.
A partir daí, o grupo começou a frequentar
outros ambientes, como cinemas, teatros, lojas exóticas, bares clandestinos,
casas de show no subsolo e algumas poucas vezes boates. A banda era curiosa,
mas não muito atrevida. As piores ideias vinham com altas doses de bebida após
a meia-noite e um dia cansativo de trabalho. Puxávamos um baseado e alguém
sugeria um cinema de filme pornô. Esse era o único programa que evitava
acompanhá-los, desconfortável com os piores tipos de homens que frequentavam
esses lugares, levando suas prostitutas que mal tinham 16 anos e obrigando-as a
satisfazê-los ao som dos gemidos vindos das caixas de som de péssima qualidade.
Uma
vez, sem pestanejar, decidi que era hora de tirar uma conclusão com os meus
próprios olhos. O que me convenceu é que eu estava ignorando a história do
cinema ao recusar frequentar tais estabelecimentos. Eram as tradicionais
Grindhouse e os famigerados Sexploitation, poderia superar os contras pelo bem
do meu próprio conhecimento. E não houve arrependimentos quando a sessão acabou
atingindo metade da madrugada, principalmente porque assim que saímos da sala
um ladrão roubava a caixa do cinema, gritando que não queria só o dinheiro, mas
também os chocolates com amendoim sobre o balcão. De sobra levou energéticos e
refrigerantes de cola numa bolsa maltrapilha e cheirando a xixi de gato. Eu poderia morrer de medo, aceitando que era
muito melhor me manter em casa do que debaixo daquele teto com rachaduras e
infiltrações. No final das contas apenas gargalhei, acompanhada dos caras da
banda, mal sabendo se era por diversão natural ou efeito da maconha com
comprimidos estimulantes.
O
trabalho tomou velocidade, com a razoável divulgação e James Ford os motivando
de um modo tão positivo que os detalhes eram resolvidos com desenvoltura.
Crying Lightning seria o primeiro single e a previsão para a transmissão do
clipe era para o final do mês de julho. Até lá foi uma terrível correria para
que tudo ficasse pronto. Antes das gravações, Alex recebeu uma folga e implorou
que se estendesse a mim, justificando que eu estava na ativa há tanto tempo
quanto ele. Concederam-nos uma semana e aproveitamos para voltar à Inglaterra.
A essa altura já éramos amigos íntimos para os conviviam com a gente, mal
levantando suspeitas.
Em
Sheffield, agíamos como se nunca tivéssemos nos mudado. Acordávamos de manhã
cedo, fazíamos companhia as nossas mães, almoçávamos em família, saíamos em
passeios com os nossos pais e, depois do jantar, nos trancávamos nos velhos
quartos para falar ao telefone, ver um filme e, vez outra, nos visitarmos para
bater um papo e dar uma namoradinha. Devido a esses encontros conheci a sua
família e ele conheceu a minha. Marcamos um jantar com todos juntos, que foi
absurdamente agradável.
Papai,
após algumas taças de vinho, com as bochechas tão rosadas quanto a de um
desenho animado, disse:
-
É, esses garotos levaram a minha menininha para bem longe das minhas asas.
Não
houve maldade em sua frase, apenas uma simples sensação de saudade e tristeza por
ter sua filha durante tanto tempo distante de casa, principalmente sendo a
primeira vez que fazia isso.
-
Não se preocupe senhor Murray, a Ali está sendo muito bem cuidada, prometo.
A
maneira carinhosa com que Al segurou a minha mão ao pronunciar tal frase
deixou-me completamente flutuante. Naquela noite ele me acompanhou de volta
para casa. Descobri que morávamos perto um do outro e me questionei se alguma
vez, quando pequenos, chegamos a brincar juntos.
Com
os dedos enfiados na calça jeans, compartilhando um cigarro comigo, andamos do
restaurante até a residência dos meus pais em passos tranquilos, trocando
partes da nossa infância e adolescência que ainda não havíamos comentado. Nos
dias seguintes visitamos alguns lugares que considerávamos marcantes nesses períodos.
Mas naquela noite parecia uma tortura o afastar dos nossos corpos, em que cada
um teria que dormir na própria cama, para manter o espectro de amizade.
-
Quer entrar? Posso preparar um café, qualquer coisa assim. – comentei
educadamente, no jardim da pequena casa.
Alex
esmagou a bituca do cigarro com o salto da bota de bico fino. Ele não
respondeu, simplesmente passando o braço sobre meus ombros e me guiando para
dentro. Decidi que o levaria para o sótão da residência, não para o quarto ou
sala de estar, em que seria muito mais fácil sermos interrompidos. Era uma
maravilhosa sensação de subir de nível, ultrapassando os limites de amante e,
temporariamente, me tornando sua namorada. Al parecia confortável em reafirmar
a ideia, talvez testando como seria se um dia oficializássemos o
relacionamento.
Em
meio às bonecas, que um dia tratei como filhas, e os ursinhos, convidados da
minha mesa de chá no fim da tarde, conversamos sobre mil e um assuntos que
soavam interessantes. Nos raros momentos de silêncio, uma pequena pergunta se
espremia na garganta, quase pulando para fora de minha boca. Tomei coragem ao
perceber que não custaria nada me arriscar um pouquinho para saber mais sobre o
outro lado.
-
Ela não desconfia da sua ausência?
Balançando
a cabeça levemente surpreso, Al suspirou, afastando uns fios dos olhos
esbugalhados e perdidos. Encarando o teto, distraído, falou embolado.
-
Acho que não. Há muito trabalho para ser feito em ambas as partes. Tem as
participações em programas, aquelas merdas de desfile, a porra da primeira fila
e a cara de relevância. – ele sorriu irônico, um tanto irritado – Eu a perco
nesses eventos superficiais.
O
ciúme que poderia sentir transformou-se em pena. Uma vez perguntei a ele o
porquê dos cabelos grandes, acreditando que foi por pura vaidade ou falta dela.
Ele ficou calado, pensativo, um bocado estático. Disse que era uma forma de se
esconder do mundo, sentia-se menos invadido pela crescente popularidade. Foi um
desabafo bastante sensível. Al disfarçava sua sensibilidade com a constante
expressão de indiferença. Analisei o quanto devia ser complicado para ele
enfrentar diversos empecilhos no namoro com a Alexa, em atmosferas parcialmente
opostas, choques maldosos contra a paixão que sentia por ela, que o obrigavam a
atravessar os próprios gostos e vontade para manter-se como bom companheiro.
-
E tem a banda, o CD para lançar. Sempre que sumo ou me nego a ir para esses
eventos banais, dou desculpa que tenho ensaio, gravação, qualquer alternativa
que possa soar verídica. – Al cruzou os braços, absorto – Nem é tão mentira
assim, tenho feito isso todos os dias mesmo.
Não
quis tocar mais no assunto. Com um beijo suave em sua bochecha, deslizei até
suas pernas, deitando minha cabeça em suas coxas. Ele me acariciou, parecendo
chateado.
-
Não gosto quando falamos dela. – assumiu – Você é meu porto seguro, com quem recarrego
minhas energias para enfrentar um mundo que odeio... E aí revelamos o iceberg e
a inquietação se torna intensa, me consumindo.
-
Há algo grave acontecendo?
-
São coisas da minha cabeça... Eu não sei, Ali. Sou um cara confuso. Quero
guardá-las para mim.
-
Tudo bem, Al. – segurei sua mão, beijando cada um de seus dedos – Entendo que
seja reservado, entendo que também faço parte da confusão. Não quero
influenciar nada do que pensa. Apenas se abra comigo se estiver mal, hm?
Afetuoso,
sorriu sutilmente. Pressionando os lábios contra a minha testa, sussurrou um
“obrigado”. Logo mudou de ares, abandonando a tristeza e chateação, entregue a
tranquilidade e conforto do próprio momento.
Despedir-nos
mais uma vez dos familiares era doloroso, mas precisávamos voltar
para Nova Iorque. Chegamos a tempo dos aniversários de Nick e Jamie.
Comemoramos a nossa forma, virando a noite no estúdio, enchendo a cara, tocando
músicas vergonhosas de amor e gargalhando sobre as piadas divertidas de Matt.
Houve uma festa para eles e gentilmente fui convidada. Optei não comparecer,
entregando os presentes comprados com a ajuda dos seus colegas apenas no dia
seguinte. Sabia que nessa festa Alex estaria com a Alexa e tinha certeza que
não gostaria de presenciar a exposição do casal modelo.
Enquanto
isso, no apartamento, Pam continuava com o seu desgosto pela falta de trabalho.
Fazendo um serviço aqui e ali, conseguiu arrecadar o suficiente para pagar
parte da conta de energia, mas logo voltou ao negativo. Seu primo Gabe, que
arranjara uma nova perua, disse que provavelmente não passaria mais muito tempo
em nosso apartamento e que, caso o relacionamento desse certo, liberaria uma
grana pelos dias de favor. A boa maré veio com essa notícia, emendando com o
pedido da Susie, que comentarei logo, logo.
O
clipe de Crying Lightning começou a ser desenvolvido e por um tempo me afastei
do trabalho com os Monkeys. A ideia parecia graciosa, mas ao visitar o set e
ver como as coisas andavam, tive que reprimir a desaprovação. Um tanto brega,
mal feito, visivelmente de péssimo gosto, o clipe me causou quase uma risada
interna. Alex nunca soube disso. Apenas Matt teve conhecimento da minha
opinião.
-
Ei, o que está achando de toda aquela parafernália?
Disfarcei
o rosto tonto, dando de ombros, ficando muda, fazendo uma careta num balançar
de cabeça.
-
Pode dizer, está uma grande merda. Eu acho que está um monte de merda. Espero
que os caras não descubram o que estou te dizendo.
Parecia
um desabafo, um desabafo engraçado, em que concordei firmemente, expressando os
meus motivos. Era indigno da canção que representava. Como uma artista, e
utilizo esse termo um tanto desconfortavelmente, porque sempre passa uma pompa
de gabação que eu odeio portar, não podia deixar de reconhecer que, não só o
Arctic Monkeys não tinha noção de estética, como toda a equipe contratada para cuidar
do clipe. Um fiasco num meio de um CD que recebia críticas dos fãs sem nem
mesmo ter sido lançado.
Avançado
um tempo, deixei de me preocupar com as letras das músicas que vez ou outra
tinha contato. Evitava assumir, mas perdi algumas noites fazendo uma divisória
de composições para mim, composições para a Alexa e composições para mulheres
desconhecidas. Não me dava esse trabalho até saber que Alex perdera o seu
caderno com as primeiras letras para o Humbug. Inicialmente acreditei que era
inevitável a maioria delas pertencerem a Alexa e isso jamais me chateou. Então
Al me explicou essa história, sobre começar do zero, e o zero significava o
período que já estávamos envolvidos. Automaticamente inclui-me na jogada, com
receio, o que é óbvio. Poderia haver pedaços meus no meio de suas metáforas,
ele era absurdamente bom em distorcer as coisas até perderem o sentido. Era uma
distração, em que numa trilha com dicas, guardava-as dentro de minha caixinha,
esmiuçando-as sempre que possível.
A
brincadeira acabou quando Al, sentado numa espreguiçadeira na varanda do meu
apartamento, com a sua agenda em mãos e o violão velho de Susie, perguntou:
-
Você não tem curiosidade?
Eu
ergui os olhos do meu caderno de desenhos, um monte de rabiscos pretos que aos
poucos se tornavam rostos estranhos e um tanto aterrorizados, como personagens
de filmes de suspense dos anos 80.
-
Sobre o que?
-
Sobre o que eu escrevo.
Dei
um sorriso revelador, recebendo em meus cabelos e vestido com estampa floral a
brisa agradável de uma tarde de julho.
-
Qualquer informação é bem-vinda, querido.
Alex
ficou ao meu lado até às 18h. Antes de sair, deixou a agenda com as novas
músicas do Humbug em minhas mãos, lembrando-me que também poderia usá-la para o
encarte do álbum. Beijando os meus lábios, disse:
-
Leia com carinho e guarde-a com cuidado. Amanhã à noite venho buscá-la.
Confirmei,
em meio a um sorriso empolgante. Reservada em meu quarto, coloquei o vinil de Tori
Amos para tocar, acompanhada de uma garrafa de vinho. Ele deixou disponível
material suficiente para fazer minhas próprias interpretações. A maioria das
letras estava datada, então me situei no tempo numa divisão de me incluir ou
não em sua vida de acordo com as épocas.
Envolta
por Dangerous Animals e My Propeller, captei-as para mim. Eram pontos
específicos do que passamos, embaralhados em um monte de mensagens simbólicas e
subjetivas. Eu gostava de torturar Alex, quando ainda não o amava, fazendo
joguinhos de mantê-lo em uma caçada, em que para ver o meu corpo despido e o
meu quadril sobre o seu, precisava depositar o seu coração sob o salto afiado
do meu sapato. Era um tanto controverso, em que num momento eu era
completamente doce, mas logo me enchia dos seus carinhos, despachando-o para
longe. No dia seguinte eu ligava com uma voz manhosa, implorando para vê-lo
novamente, antes de mandá-lo pastar com um sorriso no canto dos lábios.
Infelizmente essa fase em que eu podia me divertir sem machucar meus
sentimentos acabou muito rápido.
Em
uma mistura de conotações sexuais, My Propeller era para se elevar o espírito,
não a primeira e vaga impressão de acariciar suas partes íntimas. Debaixo de
minhas asas, Alex permitia que eu o recarregasse para áreas da vida que odiava.
Assumira isso tempos antes, em Sheffield.
Algumas
músicas se mantiveram num ponto neutro, outras despejei para Alexa. Secret Door foi uma delas. Fire and the Thud também. As
que mais me surpreenderam foram Pretty Visitors, Dance Little Liar e, por
incrível que pareça, Red Right Hand. A penúltima era um desabafo das mentiras
que Alex era obrigado a contar, a seguinte era um cover de Nick Cave & The
Bad Seeds que muito lembrava as histórias dos garotos a caminho do Victrola.
Quando
devolvi a agenda, uma metade de Alex estava impregnada em mim, como uma
tatuagem sob a pele, tão vermelha quanto a carne.
Uma
vez, num momento de fúria, em uma repentina briga que tivemos, chateei seus
ouvidos com um desabafo:
-
Eu não sei o que há dentro de você. Um maldito e irritante mistério, Alex. Cansei
de suas camadas, cansei de não conhecê-lo plenamente.
E
lá estava a maior prova de quem era. Suas letras. A música que compunha e
cantava, espalhada na cabeça de adolescentes, recitada por jovens e suas
paixões. Aquela era sua história e agora eu sabia a o que recorrer quando
olhava os seus olhos e enxergava apenas um mar turvo.
Há
um tempo disse que me afastei do trabalho com a banda. Bem, fui obrigada a isso
devido às atividades da Universidade. Diferente das aulas normais, o mês de
julho, para mim, não era de férias. Como o curso durava quase um ano, não
tivemos folga. Eu ainda estava presa no “pinte
o que sente” e nada saiu de mim. Num piscar de olhos, a frase me causava
ódio, principalmente quando entrava em meu quarto e via a tela completamente
branca num canto bagunçado do cômodo. Forcei diversos sentimentos, nenhum deles
sinceros. Quase rabisquei uma nave especial, implorando abdução.
Tomei
uma noite na sala de estar para encarar o quadro branco. Talvez precisasse de
algumas horas de choque, sentada no chão, na mesma posição, olhando fixamente
para a textura áspera e o tom claro, que logo irritou a minha vista. Entrei
numa hipnose, num mar extenso de nada. Um vazio na mente quase reconfortante.
Eu poderia entregar a tela exatamente daquele jeito, em seu mais puro estado, um
grande monte de nada. Vai ver Alice Murray era isso, o nada.
Um
susto tremendo puxou-me para a realidade. Pam, deitada preguiçosamente no sofá,
lendo o seu livro de teosofia, A Voz do Silêncio, atendeu o celular no que
parecia ser uma ligação da Susie.
- E por que você me chamaria...? Ora, Su, o
que minhas pernas tem a ver com isso? Tem certeza que não dará problema...?
Claro... Claro que sim, sabe que preciso da grana. Sim, eu sei onde é. O que?
Eu não consigo ficar pronta assim tão rápido! Não, não vou sair de qualquer
jeito. Tudo bem, a gente se encontra... Merda, para de me apressar! Ah, tchau,
tchau.
Obviamente
a tela branca já não era tão interessante. Na verdade, nunca fora. Entretanto,
nesse momento, havia arranjado uma desculpa maravilhosa para dispensar o
trabalho do curso. Com os meus olhos atentos voltados para o corpo de Pam que
saltou do sofá, esperei quase como uma pedinte que ela me explicasse o que
conversava com a Susie.
-
É... Talvez essa história de teosofia esteja dando certo. – ela sorriu,
impressionada – E eu insistindo em duvidar de milagres.
Dei
um sorriso confuso.
-
O que foi?
-
Eu preciso me arrumar, tenho que sair em 10 minutos. Mas, só para adiantar, Su
conseguiu um serviço para mim.
-
Sério? – animada, bati as mãos, logo a acompanhando numa correria pelo apartamento,
enquanto se preparava – E o que é?
-
Modelo.
-
Oi? Está me dizendo que essas suas pernas compridonas vão desfilar na passarela
da Cynthia Bennett?
-
Sim, sim. Não que isso faça meu tipo, mas qualquer grana é bem-vinda. – ela
explicou-se, colocando uma calça skinny desajeitadamente. De súbito parou,
olhando para mim – O que está fazendo aí, Ali?
-
Sei lá, esperando você ficar pronta? – dei de ombros, encostada no portal de
entrada do seu quarto.
-
Não, mocinha, nada disso. Você vai me acompanhar, então corre para vestir
alguma roupa que pareça de grã-fina.
-
E o que vou fazer em uma merda de desfile, Pam? – parecia o próprio Alex
pronunciado a frase.
-
Além de aproveitar a comida e a bebida grátis? – uma expressão maliciosa
formou-se em seu rosto, logo aliviando – Dar apoio moral para as suas amigas é
o suficiente? Su está incrivelmente estressada. E eu, você sabe, nunca fiz
essas idiotices.
Cruzando
os braços, suspirei. Não era morta-fome para me enfurnar numa festa longe do
meu gosto apenas por comida e bebida, mas o segundo pedido parecia sincero e
muito convincente. Acenei em confirmação, recebendo seu sorriso aprovativo.
-
Vou dar uma olhada no armário da Susie, ela deve ter peças maneiras para a
gente.
-
Ih, bem pensado!
O
planejado era sair em 10 minutos, mas acabamos pulando para os 20. Ao apagar a
luz da sala de estar, com a chave na mão e fechando a porta em seguida, parecia
perturbador o pensamento de que em breve estaria no meio de gente que
desprezava. Calcule que para uma pessoa com a minha personalidade é
completamente estranho se submeter a esse tipo de festa. Acrescente que em Nova
Iorque qualquer evento é elevado ao máximo, em todos os sentidos, um exagero de
pessoas, comida, bebida, paparazzi, blogueiros... Uma enxurrada de gente que me
assustava com o botox, dentes absurdamente brancos e pesadas joias produzidas a
custo do trabalho escravo de algum africano. Embrulhada num vestido de festa,
sentada no banco de trás do táxi, pego de acordo com as indicações de Susie,
encarei os meus pés no salto alto com desgosto. Se namorar o Alex significasse
entrar nesse lago de ouro artificial, bem, talvez não fosse tão ruim continuar
como a garota a quem recorria para fugir justamente dessa imbecilidade.
Arrisco dizer que uma certa pessoa estará nesse evento. Talvez eu esteja errada mas suspeito que
ResponderExcluirSerá? Não sei, pode ser que não seja essa pessoa...
ExcluirSei não, quem sabe uma tal Alexa esteja lá porque é um evento de moda né, ai ai ai agora tô super curiosa.Posso estar errada mas algo me diz que talvez um certo encontro inevitável esteja chegando :o
ResponderExcluirAlex e Alice cada vez mais fofos <3 <3 <3
O que você disse sobre o evento de moda até que tem lógica... Mas será a Alexa mesmo? Porque tenho previsão para o aparecimento de outra personagem... Não sei, vamos ver, né? Obrigada pelo comentário!
ExcluirBeijos xxx
Bia,
ResponderExcluirAqui estou eu, a dona do saculejo na ASK. Já acompanho suas fanfics com certa regularidade, mas sempre me mantive anônima por motivos muito bestas, talvez pra evitar de fazer um comentário infantil ou por achar que não teria nada a acrescentar a você, porque sua escrita é tão maravilhosa que faz meus argumentos parecerem fúteis demais. Só que tomei partido daquele jeito porque são muitas as fanfics que leio e não comento, como disse, as melhores fics geralmente não caem no gosto do popular. Fiquei meio que pesando essa minha negligência com escritoras incríveis (como você), que sempre têm algo de verdadeiro a dizer por trás de suas grandes histórias. Apesar de ainda questionar a relevância dessa iniciativa, digo que estou tremendamente feliz por ter pelo menos contribuído para a atualização da história. Humbug me ganhou não só pela linearidade, mas também pelo conteúdo, cheio de referências bárbaras que transmitem a perspectiva exata dos sentimentos dos personagens. Confesso que muita coisa mencionada nos seus capítulos eu desconhecia (livros, músicas, etc...) e o barato disso é que você colocou em minhas mãos novos conceitos, sejam eles estéticos ou culturais, que com toda certeza vão aguçar o meu interesse não só no desfecho dessa fanfic, mas em todo e qualquer trabalho que você apresentar daqui por diante no blog. Torço pelo casal "Alix", é claro, mas espero também ver uma aparição da Alexa e junto dela todos os possíveis dissabores e complicações desse relacionamento a três.
Um grande abraço pra você e já deixo aqui os meus melhores votos para o seu Natal!
Até a próxima! :)
A sua iniciativa aqui e no ask foi adorável <3 era desse tipo de reciprocidade que estava precisando. Saber que alguém se importa, quando começava a duvidar da minha própria história, mesmo a amando completamente, foi renovador.
ExcluirEsse é o mal da escritora “underground”. Vivemos numa corda bomba, em que tememos postar nossas fanfics acreditando que ninguém as lerá. Às vezes damos a cara à tapa e postamos independente da “audiência”. Outras trancamos a sete chaves uma fic que nunca virá à tona por desistência dessa luta constante. Nada para nós, as impopulares, vem muito fácil, sabe? Principalmente quando viemos do nada e ninguém nunca ouviu falar de nós, indicando nosso trabalho. Não raramente ofuscam o que fazemos porque talvez a história não seja tão acessível (ou outros mil motivos que rolam por aí). Mas eu sempre acreditei que qualquer comentário é válido, de um singelo “continua” as maravilhosas análises sobre personagens, cenários e situações. É uma maneira de saber que há expectadores aguardando o começo de mais um capítulo. E, cá entre nós, não precisa de acanhamento para falar de Misfit Love, argumentar a história, dar o próprio ponto de vista. Não sou um gênio, um bicho de sete cabeças, hahaha, na verdade sou uma babaca bem, beeem acessível! Tenho histórico de me envolver com as leitoras como se fossem amigas, porque não tem essa de pedestal, superioridade, para mim estamos todas no mesmo patamar, curtindo uma banda, compartilhando a escrita e leitura de uma história. Também pode falar comigo sobre qualquer outro assunto, que vá além de Misfit Love, vou dar atenção de qualquer jeito, independente de quem seja ou do que fale.
Outro ponto que devo comentar, é que você é uma das poucas leitoras que falou das referências em ML. Viu que foi possível acrescentar algo novo? Para não fazer uma fanfic vazia, encontrei essa maneira de enchê-la de coisas que podem ser úteis ou não. Até poderia para cada referência colocar uma “nota de rodapé”, mas para mim não soava tão legal. Acho que é maneiro quando você não entende algo e vai dar uma pesquisada, acaba aprendendo coisas que podem servir, por exemplo, numa conversa. Talvez ML não mude a vida das leitoras, mas talvez quando estiverem batendo papo com alguém e citarem uma banda/livro comentadx na fanfic, pode ser que a pessoa se lembre e diga “Ei, eu conheço tal banda”, porque leu na minha história <3
Enfim, cá está uma resposta enooorme, mas acho que ambas precisávamos desse entendimento respeitoso, não é mesmo? Agora compreendemos os dois lados, de leitora e autora, que com uma coisinha aqui e ali podem facilmente se fundir. Guardarei esse comentário e saculejo em meu coração, porque foram memoráveis!
Agora vamos esperar a próxima atualização, em que veremos se haverá Alexa ou não no meio do casal “Alix” ahahaha.
Tenha um restinho de Natal maravilhoso e se a gente não se encontrar até o Ano Novo, tenha uma virada de ano incrível também, ao lado das pessoas que ama <3
Beijos enormes e sinceros! x
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBia, a cada capítulo me torno mais tua fã! Amo tua escrita madura e cheia de referências, amo os detalhes... Alex e Ali já invadiram meu coração e duvido que eu supere depois. A parte de Sheffield foi tão incrível, um amor só. É perfeito o jeito que você explora o psicológico dos personagens. Eu sou toda elogios em relação a tudo o que você já escreveu nesse blog. Continue, please.
ResponderExcluirBeijos, Steph.
Ai cara, como eu amo e entendo a Ali. Porque sim, esse tal de high society me dá nojo e eu não sei se suportaria uma noite entre pessoas que vivem para esses eventos granfinos. Enfim, escrita maravilhosa, como sempre.
ResponderExcluirBjos, Babs.